07 dezembro 2006

Angélica e a manteiga


Angélica Aparecida de Souza tem dezenove anos e um filho de dois. Angélica está desempregada e seu filho tem fome. Angélica entra num mercadinho e esconde um pote de 200 gramas de manteiga debaixo do boné. O dono do mercadinho, Seu Dadiel de Araújo, viu a tentativa de furto e chamou a polícia. Azar de Angélica. Presa em flagrante, passa 128 dias no Cadeião de Pinheiros, em São Paulo. Quatro vezes o seu advogado pede a liberdade provisória de Angélica. Só consegue depois de apelar ao Superior Tribunal de Justiça.
Depois de um tempo em liberdade, Angélica é julgada e condenada a quatro anos de prisão em regime semi-aberto. Vai poder trabalhar durante o dia, só voltando à noite para a prisão. Vejam só o privilégio. Angélica, antes desempregada, agora pode sair para trabalhar. Não adianta perguntar onde. Isto não é problema da Justiça.
A Justiça tem bem mais o que fazer. Atualmente, está ocupadíssima em justificar o aumento dos procuradores da República e dos promotores estaduais acima do teto de R$ 22.111,00, o que provocará um efeito cascata arrasador sobre as contas públicas. No que tange a Angélica, a Justiça lava as mãos.
De mãos limpas também está o poder Executivo, que apenas cumpre o seu poder de polícia. Antes dele, o Legislativo já havia usado a bacia, fazendo leis democraticamente aplicáveis a todos os cidadãos.
De mãos limpas estamos todos nós, os tais cidadãos, cumpridores da lei, obedientes à ordem, salvo nos casos em que a ocasião nos convida a cometer certos delitos.
De mãos sujas, só a Senhora Angélica Aparecida de Souza. Sujou as mãos com um pote de 200 gramas de manteiga. Vai pagar na cadeia pela besteira de roubar tão pouco.

Um comentário:

Anônimo disse...

Um convite à anarquia.