26 dezembro 2017

Incitação ao crime

Um casal de sobrinhos veio da Itália passar o natal com a gente, em Cabedelo. Ele, mestre de capoeira radicado por lá há uns quinze anos. Ela, filha legítima do salto da bota, trabalha com informática, fala umas cinco línguas, engraçou-se com o mestre e pratica muito bem o jogo de angola. 

No dia 25, fomos tirar a ressaca na Praia Formosa, e tivemos a recepção de um carro com a mala levantada gritando palavrões ao ritmo do mais bravo pancadão. A sobrinha já havia se estarrecido com o volume do som que emanava de várias casas da vizinhança, abafando a trombeta do anjo que anunciava o nascimento do cristo. 

É muito difícil explicar para um estrangeiro esta faceta da cultura brasileira. Pois todos sabemos que ela não é exclusiva das classes menos favorecidas ou iletradas.  Aliás, quanto maior o carro e mais sofisticado o equipamento de som, maior é a barulheira e o teor pornográfico das músicas.

Já caía a noite do dia 25 quando, encerrando os trabalhos, alguém decidiu abrir uma Coca Cola. De repente, revelou-se para nós o segredo da altura de todos os sons do País. Estava ali, no rótulo vistoso da "água negra do imperialismo" a ordem:"vamos acordar esse prédio". A frase é atribuída ao Luan Santana, um dos expoentes máximos da idiotice musical brasileira. 

Podemos até ser complacentes com a pobreza cultural e ética do Luan. Mas não dá para perdoar que uma multinacional como a Coca Cola, que atinge milhões de pessoas com as suas mensagens publicitárias, veicule em sua embalagem uma incitação clara ao crime.
Crime, sim, pois acordar os moradores de um prédio com um volume de som ensurdecedor é crime ambiental, previsto no Código Penal. 

Ainda bem que a idade me impede de continuar bebendo Cuba Libre. Senão, a contragosto, deixaria de misturar ao rum com gelo e limão uma bebida que estimula em seu rótulo um crime hediondo contra nossos tímpanos.