27 julho 2006

Tabajaras

Mais do que propriamente o negro, reconheço em mim a presença maior da cultura mesclada do caboclo, esse tipo étnico indeterminado, muito difícil de definir, mas muito fácil de reconhecermos na população brasileira de todas as regiões. Um tipo de caboclo que me chama particularmente a atenção é o que eu chamo de Tabajara.
Independente da cor da pele e da textura dos cabelos, o Tabajara pode ser reconhecido pela protuberância do ventre que começa logo abaixo dos peitos. É típico do Norte-Nordeste. Um dia eu estava num lançamento no Espaço Lúcio Lins e chamei a atenção do Pedro Osmar para o número de tabajaras que tinha por lá. Aliás, o Pedro Osmar é o protótipo mesmo do Tabajara. Na minha família também não escapa um.
Talvez soasse mais nobre remeter meus traços caboclos aos potiguaras, guerreiros bravos que lutaram para conservar a posse das terras que os lusitanos decidiram tomar. Mas não foi com estes que os portugueses se aliaram. Não foi com suas cunhãs que os portugueses se deitaram. Não somos tão bravos, pois, como os potiguaras, mas estamos por aí, conchavando e sendo enganados, como os tabajaras. Sobrevivendo, como os tabajaras.
Os meus caboclos não têm uma presença forte dos valores religiosos de descendência africana. São ligados à Jurema, ao Catimbó, parentes pobres do Candoblé, sem o aparato simbólico dos orixás. São os deuses do mato pequeno e das águas finas que regem seus ritos, ditam suas rezas feitas em voz baixa. Por conta dessa fragilidade ritual, suas crenças são presas fáceis da voracidade neopentecostal, assim como os tabajaras foram facilmente aldeiados pela astúcia portuguesa. É a cultura dos desvalidos, dos desamparados. Uma cultura em extinção. Sua memória precisa ser recuperada e preservada, principalmente dentro de nós mesmos.