30 maio 2007

Raccolta - Colheita



Raccolta

Nella terra silenziosa degli affetti
fu piantato un seme piccolo di parola.
Voci amorevoli
bagnarono il suolo dove spuntò
il nuovo verbo,
bello
succulento.

Oggi,
quelli che hanno fame di poesia
si siedono vicino all'arbusto
già frondoso
e dividono il frutto generoso
della parola parlata.

Tradução: Rosella - http://bottega27.splinder.com/post/13114210

Colheita

Na terra silenciosa dos afetos
plantou-se um grão pequeno de palavra.

Vozes cuidadosas
regaram o chão de onde brotou
o verbo novo,
belo
suculento.

Hoje,
os que têm fome de poesia
sentam-se em volta do arbusto
já frondoso
e repartem o fruto generoso
da palavra plantada.


Ao Projeto Palavra Plantada que há dois anos alimenta aos que têm fome de poesia.

De Noite


Ela era De Noite, como eram De Fátima, Da Guia, Das Dores, Dos Prazeres.
Ela era De Noite, como eram as corujas, os morcegos, os bacuraus, os pirilampos.
Só saía de noite, como a lua, as estrelas, o lobisomem e as almas penadas.
Era De Noite quem passava agora, vinda não se sabe de onde. Era De Noite que já ia longe, não se sabe pra onde, não se sabe pra quem.
Era De Noite que ele queria. Era De Noite que não o queria, que passava por ele sem olhar, deixando um rastro de cheiro de carne negra. Que era negra, De Noite.
Negra ficou-lhe a vista, turvada pela ânsia da noite que morava no canto mais escuro do corpo de De Noite. Do corpo que sumia fundido com a noite.
DE NOITE, DE NOITE, gritava para as casas pesadas de sono.
De Noite, De Noite, soluçava para dentro de si, na mais completa escuridão.

Clube do Conto, 30.05.2007

Foto obtida in ribeiranegra.blogspot.com/2006_09_01_archive.html

20 maio 2007

Paralelas



Ela ia por um lado da calçada.
Ele ia na calçada do outro lado.

Ela de terninho e salto alto.
Ele de tênis, jeans e camiseta.

Ela olhou para ele invejosa.
Ele olhou para ela com cobiça.

Ela olhou o relógio e teve pressa.
Ele viu, pelas sombras, que era cedo.

O sinal de pedestres ficou verde.
O desejo dos dois ficou maduro.

Ela pisou na faixa com cuidado.
Ele fez da calçada um trampolim.

No rio sem nexo dos corpos mergulharam
dois corpos que se buscam e se erram.

O que tentaram fazer foi proibido
Pelo atropelo da humana correnteza.

E o que tentaram dizer foi abafado
pelo carrinho de CD pirata.

E cada um foi arrastado ao lado oposto,
vazio do objeto desejado.

Ele pediu com a mão uma promessa.
Ela acenou adeus e foi-se embora.

Já tinham dado na curta caminhada
Todos os passos do amor que o amor passa.


Ilustração:Av. Paulista, 1891. Aquarela sobre papel de Jules Martin, in http://www.webwriter.jor.br/

15 maio 2007

Nudez








Um dia cairá de teus ombros
o manto da memória.

Despida de ti,
entrará tua alma na mansão dos mortos
ao derradeiro som do remo de Caronte
que volta
para apagar os teus vestígios pelo mundo.


Imagem obtida em www.codexart.net. Autor não identificado.

13 maio 2007

Porteiros do inferno



Em 1960, o artista plástico Jackson Ribeiro ganhou uma bolsa do Governo da Paraíba para aprimorar sua arte na Europa. De volta, para pagar sua dívida com o Estado, criou uma escultura em ferro, sólida e imponente, que foi instalada em 1967 num canteiro entre um templo batista e uma faculdade de filosofia. Logo, o escritor Virginius da Gama e Melo batizou a obra de Porteiro do Inferno, por ter, sabe Deus como, encontrado alguma semelhança entre a peça e o tenebroso Cérbero.
Pela mesma época da inauguração do monumento, ocorria o Concílio Vaticano II, em que a Igreja Católica se abria para o mundo contemporâneo, tendo como uma de suas decisões o uso das línguas vernáculas em seus ofícios. Mas aí aconteceu uma coisa curiosa. Todo mundo se lembra que no “Credo dos apóstolos”, o antigo texto em latim descendit ad infernos, era traduzido por nossas mães, quando rezavam o Terço, pela expressão "desceu aos infernos". Seguindo a orientação do Concílio, o inferno do Credo foi substituído por mansão dos mortos. De uma forma ou de outra, o inferno sempre foi um postulado religioso e nem o Filho de Deus teria escapado de conhecê-lo, ainda que numa curta estada de três dias.
Voltando ao nosso Porteiro, depois de trinta anos postado entre a fé e a filosofia, foi retirado para restauração e nunca mais voltou ao seu antigo posto. Dizem que foi pressão da Igreja Batista, que em seu lugar pretendia construir um monumento à Bíblia. Ficou enferrujando num depósito da Prefeitura de João Pessoa até ser transferido para o Espaço Cultural, depois da morte do autor.
Coube à atual gestão da Prefeitura devolver o Porteiro às ruas da Cidade. Tentou colocá-lo em um cruzamento entre os bairros do Cabo Branco e do Altiplano. Veio o pároco local e conseguiu expulsar o Porteiro da sua encruzilhada.
O inferno astral da escultura parecia ter chegado ao fim com a sua instalação num espaço em frente à Universidade Federal da Paraíba. Ali, pensava-se, a cultura e a ciência o protegeriam das investidas da intolerância. Ledo engano. O presidente da Associação dos Moradores e Amigos do Castelo Branco, bairro onde se localiza a Universidade, fez um abaixo assinado junto à paróquia e igrejas evangélicas da localidade para que a Prefeitura expulse o Porteiro do seu último endereço.
Se esses supostos representantes do povo e de Deus tivessem um pouco de cultura e menos má fé, saberiam dizer aos seus associados e fiéis que Cérbero, o porteiro do inferno da mitologia grega, era encarregado de impedir a fuga dos que já se encontravam lá dentro. Pois ninguém, de posse de seu juízo, desejaria entrar no inferno por livre e espontânea vontade.
É fácil, pois, revelar quem são os verdadeiros porteiros do inferno. São todos os líderes comunitários e religiosos que impedem a qualquer custo que as pessoas fujam das caldeiras da ignorância e da intolerância onde cozinham o caldo negro com que alimentam seus sonhos de poder e vaidade.

08 maio 2007

Fúcsia


Acordei de manhãzinha, ainda madrugada. E como não queria sair da cama, peguei o novo livro de poemas de Vitória Lima para ler. Os olhos sonolentos se ofuscaram com a cor que escapava do título do livro: Fúcsia*.
Mais do que uma cor, fúcsia nomeia um livro sobre uma cor. Mas apenas um poema em todo o livro é dedicado a esta cor:

da paleta dos jambeiros
sai o fúcsia que
pinta & borda
as calçadas dos setembros.

Portanto, não é por conta deste belo e conciso poema que o livro se chama Fúcsia. Mais do que um livro sobre uma cor, Fúcsia é escrito sob a égide desta cor. Porque Vitória Lima é, ela própria, toda fúcsia. Para além do batom, Vitória é toda feita com esta cor que sai de sua paleta de palavras para pintar e bordar as calçadas por onde passeiam nossos sonhos.
Como já disse, li o livro de manhãzinha, fim de madrugada. Ainda em estado de sono, os poemas foram se moldando àquele clima denso dos restos de sonhos e se misturaram com eles. Saí da cama com o livro flutuando entre as paredes que protegem os sonhos e com eles se fechou quando tive que me declarar desperto. Agora, sei que seus versos estão dentro de mim, irmãos dos meus sonhos, prontos para despertarem sonâmbulos, quando mais uma vez for dormir. E meus sonhos terão a cor fúcsia.

*Edições João Pessoa: Linha D’água, 2007.

06 maio 2007

As grandes decisões


Acompanhemos aquele homem que caminha pela praia. Veja que não falei que ele anda ou passeia. Caminhar, hoje em dia, na praia ou em qualquer outro lugar, tem um sentido preciso de prescrição médica. Seu colesterol está alto, você precisa caminhar. A ordem está dada. O problema é tomar a decisão de cumpri-la. Segunda-feira começo, diz o homem, seguro dessa primeira tomada de posição. O próximo ponto a decidir é qual a segunda-feira em que começará.
Mas se já o estamos vendo caminhar é porque, de uma forma ou de outra, tal decisão já foi tomada. Precisamos agora acompanhá-lo mais de perto, pois a qualquer instante terá de tomar uma das mais difíceis decisões de sua vida: girar o corpo e fazer o caminho de volta. Quem caminha só, sabe o quanto é difícil decidir o momento e o lugar dessa meia-volta. Isto porque não há nenhuma convenção, nenhum acordo, nenhum condicionante exterior à decisão. Neste momento o homem está só e inseguro. O seu olhar para os circundantes é de puro desamparo.
Chamo agora a atenção para a desenvoltura com que os homens públicos tomam suas decisões. Vamos exterminar os judeus. Vamos invadir o Iraque. Vamos confiscar a poupança dessa cambada. Vamos elevar a taxa de juros. Vamos fazer caixa dois e mentir para esses otários nos elegerem novamente. Diferentemente do nosso caminhante da praia, o homem público nunca está só. Há sempre um grupo interessado em se locupletar com a sua decisão. Outra diferença é que suas decisões nunca o implicam pessoalmente. Ele não é judeu, não vive no Iraque, não é burro para ter poupança em banco nacional, há sempre um jeito de se ganhar alguma coisa com a inflação e, se não for reeleito, haverá sempre um lugar para ele e seus afilhados em alguma estatal.
Só e entregue à angústia de sua decisão, o homem da praia tem um privilégio que nenhum homem público jamais desfrutará. Pelo menos ali e então, ele prova a liberdade de decidir sobre o seu próprio destino.
Foto obtida no contecomigo.uniblog.com.br

04 maio 2007

A arte do cuidado



Você pode estudar muito e se tornar um bom médico, um ótimo psicólogo, um excelente enfermeiro. Mas não tem livro que ensine você a cuidar dos outros.
O cuidado é uma arte cada vez mais rara entre as pessoas. E quase inexistente entre os profissionais da saúde. Uns alegam falta de tempo. Outros se bastam com sua competência técnica. Outros ainda se deleitam sadicamente com o poder que exercem, aumentando deliberadamente o sofrimento alheio.
Considero-me privilegiado quando encontro quem cuide de mim para além de meus achaques físicos. Quando sinto que a escuta ultrapassa a fronteira da minha anatomia e suas mazelas e se abre para toda a dimensão da minha existência.
Estou tocando neste assunto porque hoje é o aniversário de uma dessas artistas do cuidado. Uma que, antes de bisbilhotar sobre os estragos do tempo e do mal uso nesta frágil carcaça, abre-me um sorriso que me assegura que cuidará de mim, seja lá o que eu tenha feito de ruim com o meu fígado.
Alguns a chamam de Doutora Fátima. Eu me reservo o direito de chamá-la de Madame Duques. De um modo ou de outro, é a melhor pessoa que me ocorre chamar quando estou precisando de cuidado.

Foto retirada do blog "Andreye World".