28 setembro 2010

Deserto



Passei os primeiros anos da minha vida adulta proibido de votar para presidente, governador e prefeito. Tinha fome de voto. Com a reconstrução democrática, nunca deixei de votar nem uma vez. Nem sempre meus candidatos ganhavam, mas fazia bem à saúde participar da vida política em toda plenitude. Carreatas, passeatas, panfletagens, faixa no portão, muro pintado, adesivos no carro. Por fim, a procissão familiar até a zona eleitoral, as ruas atapetadas com o lixo democrático dos santinhos.
Este ano estou quase proibido de votar. Não encontro a quem confiar meu voto com o mesmo entusiasmo dos outros anos. Não precisam me lembrar que estou envelhecendo. Tenho encontrado muita gente jovem com a mesma preocupação. Estamos saturados de escândalos, conchavos, jogadas sujas para manchar a honra dos adversários, se é que ainda existe alguém de honra imaculada.
O cenário político atual é um vasto deserto ético, onde o vale-tudo é a regra para pilhar o oásis do poder. Aqui e ali, é claro, resistem as exceções que mal servem para confirmar a regra. O respeito pelo direito e pelo bem público desertou das instituições. O empate da votação do Supremo que definiria uma posição sobre a chamada lei da ficha limpa foi a mais recente e cabal prova de que a opinião pública não merece o menor respeito. A pouco mais de uma semana das eleições, e os eleitores ainda se viam ameaçados pela possibilidade de vitória dos bandidos travestidos de representantes do povo.
Grandes são os desertos, cantava Fernando Pessoa. Grande, enorme, gememos nós, é este deserto ético que teremos que atravessar até chegarmos às urnas. É bom não nos deixarmos iludir pelas miragens que costumam nos seduzir no horizonte inalcançável das promessas impossíveis.

22 setembro 2010

Morte e inferno

O deputado Luiz Couto está condenado à morte. Seu erro foi ter denunciado todos os nomes dos envolvidos com o crime organizado na Paraíba, quando presidiu uma Comissão Parlamentar de Inquérito, encerrada em 2005. Foram mais de trezentos nomes apontados, entre políticos, juízes, promotores e policiais. Gente graúda que exigiu a cabeça de Luiz Couto. Sem nenhuma metáfora. Depois do assassinato do advogado Manoel Mattos, um dos depoentes na CPI, o deputado Luiz Couto foi anunciado como o próximo da lista de extermínio. Faz muito tempo que o deputado vive sob a proteção da Polícia Federal.

O padre Luiz Couto está condenado ao inferno. Seu pecado foi ter defendido o fim do celibato e o uso da camisinha, numa entrevista ao programa “Congresso em Foco”. Por isso, está proibido de celebrar missas pelo arcebispo da capital da Paraíba. O padre Luiz Couto sempre esteve ao lado dos oprimidos e injustiçados. Suas idéias sempre contrariaram o bando mais conservador da igreja católica, que tem no atual arcebispo um de seus mais ferrenhos representantes. Nada mais natural, portanto que seja condenado à excomunhão e o conseqüente fogo do inferno.

O deputado Luiz Couto e o padre Luiz Couto não são duas pessoas distintas. Quem conhece o discurso e a prática do padre, sabe o que pode esperar do parlamentar. E vice-versa. Mas não são apenas os oprimidos e injustiçados que conhecem a coragem deste homem íntegro que se chama Luiz Couto. As forças retrógradas do coronelismo, laico ou clerical, também a conhecem. Por isso o querem morto e condenado ao inferno. Mas nós, que nos sentimos representados pelo parlamentar e incitados pelo religioso, queremos Luiz Couto vivo. E nada precisamos desejar aos seus inimigos. Estes já estão condenados pela história à morte política e ao inferno moral.

12 setembro 2010

Chapola e Pedro Paulo



Chapola é “de menor”, tem dezessete anos. O que não o impede de ser conhecido como “o terror do Renascer”, bairro da periferia de João Pessoa. Chapola foi preso sob a acusação de chefiar uma gang responsável por vários assassinatos e assaltos ligados ao tráfico de drogas da Grande João Pessoa.

A prisão de Chapola teria passado desapercebida pelas páginas policiais se a polícia não tivesse encontrado em seu celular um vídeo em que ele botava um cigarro de maconha na boca de uma criança de três anos.

Pedro Paulo Dias não tem apelido. Mas atendia prontamente quando o chamavam de governador. Nada mais normal, pois foi governador do Amapá duas vezes. Pedro Paulo foi preso pela Polícia Federal por chefiar uma gang que desviava dinheiro público, principalmente do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). Com ele foram presas mais treze pessoas. Dentre elas encontra-se Waldez Góes, ex-governador e candidato a senador pelo Amapá e o presidente do Tribunal de Contas do Estado, José Júlio de Miranda Coelho. Como era um negócio de família, também foram presas a namorada do governador e a mulher do ex-governador. Tudo gente fina.

Existe um elo entre as gangs de Chapola e Pedro Paulo. O dinheiro do Fundeb desviado pela turma do governador era para pagar professores e comprar merenda escolar e material de manutenção para creches e colégios do ensino médio.

Quer dizer que, se o dinheiro desviado no Amapá e em vários estados do País fosse devidamente aplicado, o Chapola certamente estaria terminando o ensino médio e a criança de três anos estaria numa creche decente, longe do assédio perversamente precoce dos traficantes.

Posso antever que, dentro de pouco tempo, Chapola vai ser encontrado morto num boteco do Renascer ou num matagal ali por perto. É possível também que a criança a quem ele apresentou o primeiro baseado se transforme no próximo “terror do Renascer”, repetindo o manjado círculo da morte.

Mas o que mais me dá raiva é saber que, daqui a poucos dias, a gang do Pedro Paulo vai voltar para suas mansões em seus carros importados e continuar com a imunda produção em escala industrial de novos chapolas.

Dói mais ainda saber que é nas comunidades Renascer plantadas na periferia das grandes cidades que moram os eleitores de criminosos como Pedro Paulo e Waldez Góes.