20 fevereiro 2013

A gente se vê




Desde janeiro de 2010 que ocupo este espaço no Contraponto com minhas crônicas. Chovesse ou fizesse sol, de casa ou de um hotel, nunca deixei este espaço em branco. Foram mais de cento e quarenta crônicas (boas, ruins ou sofríveis) inspiradas no que meus olhos viram nesses três anos. Acho que está na hora de dar um tempo.
Não tenho um motivo específico para tomar esta decisão. É apenas um sentimento difuso de que já não tenho muito a dizer. Isto coincide com a minha necessidade de voltar ao ponto de partida da minha escrita, os poemas, que há muito reclamam um tempo específico nos meus afazeres de escritor.
Vejam bem o que eu disse: estou apenas dando um tempo neste espaço semanal. O que significa dizer que, sempre que me surgir uma ideia que valha a pena, mando para o Contraponto o que ela me render como escrita. Se vai ou não ser publicado, fica por conta da Mariana e do João Manoel.
Foi grande o prazer de ocupar este espaço. Foi grande também a responsabilidade, pois, à medida em que  ia conhecendo meus leitores, passei a ter cuidado com o estilo de cada crônica. Tive que desenvolver uma linguagem que atingisse o balconista da farmácia, o dono da oficina de eletrônica e as atendentes do Maurílio de Almeida, sem ficar mal na fita com meus amigos escritores e professores de literatura. Claro que algumas vezes tive que desagradar a uns e a outros, mas, no geral, acho que me saí bem.
Uma coisa quero que fique clara: não existe coisa mais gratificante do que ser parado na rua por uma pessoa emocionada pelo conteúdo de uma determinada crônica. Fico feliz sabendo que alguns dos meus textos fizeram algumas pessoas refletir sobre algo que até então lhes passava desapercebido. Gosto também de saber que muita gente compartilhou de alguns aspectos da minha intimidade cotidiana.
Só peço que não tomem esta trégua como um gesto de renúncia. Isto é coisa para os papas. Vou continuar a publicar no meu blog (blog-do-rona.blogspot,com), mas sem o compromisso da periodicidade. Quando der na telha, faço uma postagem por lá. Vocês não vão se ver livre de mim, definitivamente. Estou só dando um tempo. Mais cedo ou mais tarde, a gente se vê.

13 fevereiro 2013

Nossa Senhora dos Prazeres




No meio de tanto incentivo ao sofrimento mundano para a salvação da alma, me chama a atenção a existência de uma Nossa Senhora dos Prazeres dentre as inúmeras denominações da Virgem pela igreja Católica. Me interessei pela história e fiquei sabendo (por São Google, claro), que em Portugal, nos idos de 1590, uma imagem de Maria apareceu  sobre uma fonte na quinta dos condes de Alcântara. Quando a Santa começou a fazer milagres, os proprietários da fonte levaram a imagem para dentro de casa. Quem já viu pobre ter direito a prazeres em fontes e terras de ricos? Mas logo a imagem desapareceu para ser encontrada mais tarde junto a um poço por uma menina sedenta. Foi quando a Madona apareceu para ela e disse que se construísse uma igreja ali em devoção a Nossa Senhora dos Prazeres, que viria também a ser conhecida por Nossa Senhora das Sete Alegrias.

Não tenho o menor interesse pela classificação que os franciscanos deram aos prazeres da mãe de Jesus, todos eles ligados à sua imagem imaculada, como se ela não tivesse outros filhos além do Crucificado e ido a outras festas além das bodas de Caná. A mim me basta que exista uma Santa protetora dos prazeres e das alegrias.

Mudando um pouco o rumo da prosa, sempre me diverti com certos compositores que se apressam em louvar o “princípio do prazer” quando querem dar um certo ar de erudição á pobreza dos seus versos. O conceito freudiano de prazer é decepcionante: quer dizer que o aparelho psíquico é regido pelo evitamento ou evacuação da tensão quando esta se torna desagradável. O melhor exemplo disto é aquela sensação maravilhosa quando encontramos um banheiro depois de algumas horas de viagem. Nada poético, portanto, mas bastante prazeroso.

Deixemos, pois, de lado, a piedade católica e a falta de sal da psicanálise. Cuidemos de nossos prazeres e alegrias cotidianos que podem ser recolhidos nos momentos mais simples da contemplação da natureza, das obras de arte, do convívio com nossos semelhantes e de intimidade com a pessoa amada. E vivamos cada um desses momentos sem culpa ou remorso, com a atenuante de que até a mais persecutória das instituições criou uma protetora benevolente que sabe muito bem o valor dos prazeres e das alegrias.