25 julho 2007

Tremendo nas bases


Estava vendo na MTV um especial sobre a cultura hip hop no Brasil e no mundo. Um dos entrevistados era o MV Bill, aquele do documentário sobre os falcões do tráfico. A certa altura do depoimento dele, começou a pipocar uns tiros, não se sabe onde. MV Bill parou a entrevista, ficou teso e falou com um tremor na voz: “assim é foda, cara. A gente tá aqui dando entrevista, fazendo oficina e os caras já entram atirando. Dá vontade de largar de vez essa porra”.

Aí eu fiquei pensando: se um negão desse tamanho, conhecedor profundo da cultura da violência em todas as favelas do Brasil, treme nas bases quando escuta um tiroteio, o que será que sente uma pessoa comum, uma mãe, uma criança, quando a chapa esquenta e a bala canta.

Não ficou claro no vídeo se os tiros eram da polícia ou de uma gang. Tanto faz. A violência é a mesma. Uma bala perdida encontra sempre um endereço de chegada.

Aprendi a gostar do MV Bill depois que li “Cabeça de Porco”, o livro escrito por ele, o seu empresário Celso Athayde e o sociólogo Luiz Eduardo Soares. Tremi nas bases quando li seu desabafo final: “Ver esses jovens alucinados se autodestruindo é como ver uma bomba ser detonada e começar a contar para então juntar os cacos. É essa a sensação que tenho, uma bomba que vai explodir”.

Estamos em plena explosão. Por isso trememos nas bases. Os cacos estão espalhados por aí, esperando ser juntados.

24 julho 2007

Solução

Finalmente o Governo identificou os culpados pela crise aérea brasileira: os pobres. Há um excesso de pobres andando de avião. A solução do problema é a mais lógica possível: aumente-se o preço das passagens de avião. Os pobres que voltem a sacolejar nas estradas esburacadas do País. E quando as estradas se apinharem de pobres, aumente-se o preço das passagens de ônibus. E se os pobres insistirem em sair às ruas a pé, aumente-se o preço das sandálias de tirinha. Este País só suporta um punhado de ricos e um pouco de classe média. O resto é sobra, sobejo, excrescência. Destino de pobre é matar um ao outro nas quebradas da periferia. Qualquer dia o Governo aumenta o preço da cova.

23 julho 2007

Linguagem oficial




Uma Ministra de Estado aconselha que as vítimas do apagão aéreo relaxem e gozem.
O Secretário de Segurança da Paraíba chama indiscriminadamente de cagões seus subordinados da Polícia Militar.
Dois assessores do Presidente da República fazem um gesto obsceno em frente às câmeras depois de ouvirem uma notícia que supostamente desculpava o Governo pela tragédia no aeroporto de Congonhas.
Como a Ministra queixa-se de ser sexóloga, deve conhecer o teor total do ditado popular: “Se o estupro é inevitável, relaxe e goze”. Assim, revela-se o seu verdadeiro desejo.
Como o Secretário de Segurança é um jurista respeitado, deve saber a exata medida do nível de insubordinação causado pelo seu destempero verbal.
Os assessores presidenciais devem estar preparados para a repercussão do seu gesto transmitido em cadeia para todo o País.
Todos eles, por certo, têm consciência do quanto contribuíram para o desgaste do combalido prestígio da classe política brasileira.
Resta apenas recomendar que se tirem as crianças da sala na hora do noticiário político e que jornais e revistas de informação sejam lidos na calada da noite, de preferência no banheiro, com a porta trancada a chave.

Ilustração: Henfil

19 julho 2007

Convite

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18 julho 2007

Fonte


Teus sonhos não são enigmas.
Olha-os com calma:
Eles são a fonte dos enigmas.
Tua fonte.

Não busques, portanto,
o sentido dos teus sonhos.

Dorme, apenas.

E deixa que desfilem
teu mistério
no chão do sono.
Ilustração: Klimt, Serpentes de Água II.

17 julho 2007

Raccolta - Colheita



Raccolta

Nella terra silenziosa degli affetti
fu piantato un seme piccolo di parola.
Voci amorevoli
bagnarono il suolo dove spuntò
il nuovo verbo,
bello
succulento.

Oggi,
quelli che hanno fame di poesia
si siedono vicino all'arbusto
già frondoso
e dividono il frutto generoso
della parola parlata.

Tradução: Rosella - http://bottega27.splinder.com/post/13114210

Colheita

Na terra silenciosa dos afetos
plantou-se um grão pequeno de palavra.

Vozes cuidadosas
regaram o chão de onde brotou
o verbo novo,
belo
suculento.

Hoje,
os que têm fome de poesia
sentam-se em volta do arbusto
já frondoso
e repartem o fruto generoso
da palavra plantada.


Ao Projeto Palavra Plantada que há dois anos alimenta aos que têm fome de poesia.

13 julho 2007

Limpo


A lavadeira caminhava em minha frente. O braço esquerdo apoiava um pequeno volume de roupas coberto com um pano muito alvo. A mão direita segurava quatro cabides, cada um com uma camisa masculina. Todas limpas. Podia imaginar o cheiro bom do tecido lavado e passado com cuidado.
Não sabia de quem eram as roupas. Não podia imaginar o teor do trabalho que as havia sujado. Nem me interessava. Olhava apenas com carinho para aquela mulher que exibia na rua o resultado do seu trabalho. E me senti confortado com a sua existência, mesmo sabendo do quanto seu esforço era mal recompensado.
Essa é uma das injustiças do mundo: os que limpam ganham muito menos do que os que sujam. E é muito mais fácil sujar. Basta ver o pouco esforço que requer jogar uma lata de cerveja pela janela do carro, difamar injustamente um semelhante, fraudar uma assinatura, assaltar um aposentado na porta de um banco.
A operária do limpo ia entregar o fruto do seu trabalho sabendo que na outra semana tudo estará sujo outra vez. E ela novamente limpará. Há uma lição a aprender aí, por quem se ocupa com a limpeza do mundo. É um trabalho sem descanso, pois tem mais gente sujando que limpando.

Ilustração obtida em http://josesobrinho.planetaclix.pt/profissoes/lavadeiras.html