29 abril 2010

O poema da lua


Existem muitos poemas dedicados à lua. Não há poeta, creio, que já não tenha cometido ao menos um verso comovente para a lua. Desconfio que até os uivos dos lobos e cachorros sejam poemas dedicados à lua cheia.

É angustiante acompanhar a espera da noite por Álvaro de Campos, (talvez o mais fértil da legião que habita Fernando Pessoa), no poema “Dois excertos de odes”. Toda a angústia, nossa e do poeta, se acaba quando “no alto céu ainda claramente azul (...) a lua começa a ser real.”

Como ao poeta, a lua cheia sempre nos pega de surpresa. Não há quem não se espante ao vê-la, de repente, começando a ser real. Foi semelhante espanto, certamente, que minha neta sentiu na última lua cheia. E foi tanto espanto, que ela o quis repartir com sua mãe. Do alto dos seus dois anos e meio, levantou as mãos para apanhar a lua. Com a lua nas mãos, voltou-se para a mãe e lhe deu a lua de presente.

Sem saber de metáforas ou metonímicas, a menina fez a lua ser mais real em suas mãos do que era real solta no céu. Ela transformou a lua em presente e a deu de presente a quem mais amava.

Naquele momento, pelas mãos da menina, foi composto o mais belo poema que a lua cheia possa merecer.


Ilustração: Veruschka Guerra

14 abril 2010

Dôra, a comendadôra



O filho de um fazendeiro foi eleito governador do Lions em sua cidade. O velho pai pergunta ansioso:
- Quer dizer que a gente agora pode prender os inimigos?
- Pode não, meu pai.
- Mas mandar soltar os amigos a gente pode, não pode?
- Pode também não, meu pai.
- Então, pra que diabo serve ser governador?
A minha amiga Dôra Limeira acaba de receber, da Câmara Municipal de João Pessoa, a Comenda Cultural Ariano Suassuna. É a minha vez, então, de perguntar: pra que serve ser Comendadora?
Em primeiro lugar, serve pra enfeitar. Dôra ficou imponente com aquela medalha enorme enfeitando seu colo. Parecia uma Super-Filha-de-Maria.
Em segundo lugar, serve para deixar vaidosos todos que gravitam em torno dela. Irmãos, filhas, netos, futuro bisneto e a montanha de amigos, todos nos sentimos agraciados na pessoa grandiosa de Dôra Limeira.
Em terceiro lugar, serve para lembrar a nós todos que sensibilidade, garra e talento não tem idade nem escolhe gênero. Dôra é um exemplo vivo, vivíssimo, do que pode uma mulher lançada no mundo para nele deixar sua marca.
Dôra foi a última das meninas Limeira que conheci. Primeiro conheci Nara e Dea. Depois, vieram Ruth e Raquel. Por fim, ganhei este presente da vida: o direito de brigar com Dôra, frente-a-frente ou pelo telefone, todas as vezes em que falo com ela. Porque com Dôra, não tem refresco. Você tem que ser claro e verdadeiro. Assim como ela é clara e verdadeira. Basta ler qualquer um dos seus livros de contos para saber do que estou falando.
Eis, enfim, para que serve a Comenda Cultural Ariano Suassuna que Dôra recebeu. Para reconhecer que vale a pena viver com intensidade e se doar aos outros e à sua cidade. Para mostrar que existem pessoas que dignificam a comenda, mais do que são engrandecidos por ela.

12 abril 2010

Trilhas sonoras













Desde menino que ouço rádio. A trilha sonora de minha vida começou a ser composta com as músicas que o rádio me ensinou. Os discos vieram depois. No princípio, era o rádio.
Lá pras bandas da década de cinqüenta – do século passado, menina, do século passado -, as músicas tinham época para tocar. Não era essa esculhambação de hoje. Tinha música de Natal, música de carnaval, depois vinham as músicas juninas. Só nos intervalos dessas festas é que se lançavam as músicas românticas, os boleros, os sambas-canção. Na semana-santa, então, só tocava música de “morreu-galego”. Isto que hoje se chama música clássica.
Uma das maiores emoções da minha vida, foi ouvir, quase adolescente, a programação da Rádio Tamandaré, do Recife: “música, somente música e um só anúncio por intervalo”. Foi quando senti o espanto dos acordes dissonantes da bossa-nova e do jazz.
Foi no rádio que ouvi pela primeira vez Alegria, alegria, de Caetano, e Penny lane, com os Beatles. Sons que apontavam para um outro mundo para além dos muros do quartel em que servia a, contragosto, em Maceió.
Depois de um tempo de desgosto com o lixo que as rádios vêm há muito nos servindo, descubro novamente a alegria de ouvir rádio. Tenho algumas estações selecionadas pela internet. Em uma delas, a Espace Musique, do Canadá, escuto o que há de mais significativo da música de todo o mundo. Inclusive muita música brasileira que nunca irão tocar nas rádios do Brasil. Até Selma do Coco já ouvi por lá. De repente, tenho uma nova Rádio Tamandaré em casa. É uma pena que, para ter acesso a um bem de cultura tão essencial como a música, eu tenha que me valer de um equipamento sofisticado, fora do alcance da grande maioria das pessoas. Pobres pessoas, condenadas a uma trilha sonora pobre e repetitiva, incapaz de realçar a emoção dos bons e maus momentos de suas vidas.

06 abril 2010

Boas notícias




Estou cansado de más notícias. A televisão não me deixa em paz. Padres pedófilos, terremotos, políticos corruptos, enchentes, homens-bomba, desabamentos, mensalões, erupções. Agora mesmo estou com a alma encharcada de tanta chuva no Rio de Janeiro. Será, minha gente, que não existe mais uma notícia boa?
Me lembro de quando servia ao exército, em Maceió, e dormia na casa de um primo que era sargento no mesmo batalhão que eu. Uma noite, já madrugada, ouvi no rádio uma convocação urgente para que todos os militares da cidade se apresentassem no quartel. Levantei assustado e bati na porta do quarto do meu primo avisando da convocação. Desliga o rádio, ele respondeu, não se dando sequer o trabalho de acender a luz do quarto.
Será que não estamos precisando exatamente disto? Desligar o rádio, a televisão, os computadores, fechar os jornais e as revistas e olharmos em nossa volta? Será que, neste exato momento, não está acontecendo nada de bom?
Há poucos dias, uma mocinha, de seus treze para catorze anos, atravessou na frente do meu carro, subiu a calçada e tomou um susto. Duas borboletas amarelas vieram não sei de onde e começaram a fazer festa em volta dos seus cabelos. A televisão não estava lá, não tinha nenhum fotógrafo por perto, nenhum locutor de rádio deu a notícia alarmante: duas borboletas amarelas deram um susto na moça que subiu a calçada. Mas meus olhos registraram a cena e, quando cheguei em casa, contei para minha mulher. Dou a notícia agora, nesta crônica, para que mais pessoas fiquem sabendo que uma moça se assustou com duas borboletas.
É em cenas pequenas como esta que a poesia se revela aos olhos atentos à surpresa do belo. Muitas cenas como estas estão acontecendo agora em frente aos nossos olhos. E nem precisam ser tão inusitadas. Pode ser um cheiro de jasmim na frente de uma casa. Pode ser uma risada gostosa de um homem. Pode ser a mão de uma neta batendo de leve no rosto de um avô. Cenas prosaicas, que acontecem às centenas à nossa volta, mas das quais não nos damos conta, pois nossos olhos e ouvidos estão aprisionados pelos aparelhos eletrônicos que nos enchem de pânico e angústia.


Ilustração obetida em: vivi-dick.spaces.live.com