11 dezembro 2015

Enquanto os jabutis cochilam




Agora, que os jabutis cochilam, deixem-me aproveitar o silêncio provisório para falar um pouco sobre a dona deles. Sobre a generosidade da dona deles. Muita gente sabe que é impossível sair de junto de Valéria Rezende com as mãos vazias. Você pode estar apenas de passagem para um visitinha, ou encontrar com ela por acaso numa esquina. Valéria terá sempre alguma coisa para dar. Sua sabedoria transborda em cada frase. O vigor da sua voz e a precisão das expressões deixam marcas indeléveis em quem a vê e escuta. O primeiro encontro com Valéria ninguém esquece.
Valéria é dessas pessoas que não sabe negar uma mãozinha a quem precisa. Seja lá o que for. Mas o que ela mais gosta de fazer é ajudar a quem gosta de escrever. E disso é testemunha qualquer membro atual ou antigo do Cube do Conto da Paraíba. Eu mesmo sou um beneficiário da sua generosidade. Foi ela que me indicou o caminho para a publicação do meu primeiro romance,  Memória do fogo, na coleção Fora dos eixos, da Objetiva. Foi ela também que incluiu meu segundo romance, A paixão insone, na coleção Latitudes que coordenou para a Mombak.
Ouvir Valéria falar de seus projetos literários é de perder o fôlego. Não se sabe de onde vem tanta inspiração, tanta vitalidade. Não se sabe também de onde vem o tempo para tamanha voracidade de leitura. Sabe-se muito menos como cabem tantas vidas na vida de uma só mulher.
Agora, que os jabutis cochilam, que amortizaram os ruídos da festa, é hora de chegar devagar junto de Valéria e dizer, com a voz mais amiga que a amizade me permitir, que a maior prova da sua generosidade é este sentimento de que estes jabutis também são meus. Também são de todos aqueles que alguma vez saíram de mãos cheias de junto de você.

02 dezembro 2015

Ora, direis...



Olhar estrelas. O que pode haver de novidade em um hábito tão antigo quanto a existência da espécie humana sobre a terra? Eu vos direi, no entanto, que esta noite eu vi as estrelas de um modo tão novo, que nem me lembro quando as vi assim pela última vez.
Deixem-me explicar. Desde os onze anos carregava comigo uma miopia que incorporou os óculos de forma irrevogável ao meu rosto. Com o passar do tempo, a esta miopia veio se incorporar um processo de formação de catarata que aos poucos foi me esmaecendo a visão. Acontece que decidi operar as tais cataratas, e, junto com elas, corrigir a minha boa e velha miopia.
Só quem passou por um processo semelhante sabe o espanto que causa a recuperação da visão nítida das coisas. Passei a ver o mundo em HD. Mas o que mais me impressionou foi notar que as coisas ganharam um brilho diferente. A luz do sol ficou mais clara e reluzente. Até as lâmpadas perderam o tom amofinado e se tornaram brancas as que eram brancas e amarelo brilhante as que eram apenas amarelas.
Mass o melhor de tudo aconteceu agora de noite. Apaguei todas as luzes do terraço e do jardim e olhei para o céu. Lá estavam elas, as estrelas, nítidas, claras, com o brilho azulado que há muito eu não via. Lá estavam as Três Marias, mais para o lado o Cruzeiro do Sul, mais a baixo o avermelhado Marte...

Ora, direis, que besteira, olhar estrelas. Bilac ao menos as ouvia. Mas o jovem Olavo era vesgo. Talvez a sua vaidade não permitisse que olhasse o céu, para não expor sua assimetria às donzelas na calçada da Colombo. Hoje eu vi as estrelas e elas piscaram para mim. E só não foram além desse gesto cúmplice para que vocês não pensem que eu perdi o senso.