30 julho 2009

Poeta Antônio Mariano indica romance Memória do fogo

27 julho 2009

Sob os olhos do fantasma



Passei o fim de semana com o fantasma de Barreto em minha cola. Fui para minha casa em Cabedelo com a intenção de fazer a revisão do seu último livro de contos, Os colecionadores. Fátima, a mulher dele, tinha pedido a mim e a Valéria Rezende para editar o livro que ele tinha deixado já com índice e ficha catalográfica prontos. Junto com Valéria, tive o privilégio de fazer a leitura crítica de seus últimos livros. Era um privilégio que me divertia muito, pois lia antegozando as brigas homéricas que teríamos na hora de devolver os originais. Cada frase, cada palavra, cada vírgula era disputada a tapa, com argumentos nem sempre racionais e um jargão pouco imaginável entre cidadãos dados às lides das letras.

Desta vez, não foi diferente. E muito pior. O fantasma não esperou que eu terminasse a revisão. Chegava a qualquer momento e ficava espiando pelas minhas costas. Sentia sua apreensão toda vez que eu pegava o lápis para fazer uma anotação. Quando era um erro simples de digitação, o fantasma relaxava. Mas quando eu punha em dúvida uma construção mais redundante ou discordava de uma concordância, era sensível a sua muda irritação.

Por outro lado, sentia a vaidade do fantasma quando eu sublinhava uma construção de mestre: “Era uma sexta-feira e ele trazia na cara todos os expedientes da semana”. Fui eu que fiz, quase o ouvia dizer. Na passagem de “o vento varrendo a poeira do abandono”, senti um leve farfalhar nas folhas de um vaso próximo à rede onde eu lia. Acho que ele fez de propósito, para dizer que ainda sabia reconhecer a minha inveja. E fez cair uma folha quando viu que eu estava na parte em que a seca vinha “matando plantas, secando o capim, bebendo todo o molhado que havia”.
Quando terminei a leitura e sorri satisfeito pelo presente que havia recebido, senti que ele foi embora. Mas antes de sair, balançou com força o sino japonês pendurado no canto do terraço. Como quem diz, eu vou, mas volto em dezembro, quando o Clube do Conto se reunir para festejar o Natal.

19 julho 2009

O deus de Kaká

Existe um deus desocupado que, por não ter coisa melhor a fazer, decidiu ser torcedor do Real Madri. Um deus irresponsável que, no meio de uma crise financeira internacional devastadora, fez aparecer, por milagre, uma fortuna no cofre do seu clube para contratar um jogador de futebol de sua preferência. Não satisfeito, e vaidoso de sua divindade, mandou a mulher do jogador abrir uma igreja na Espanha para louvar os seus feitos em favor dos ricos e descolados deste e do outro mundo.
Pelo menos é isto o que nos deixa imaginando o depoimento de Caroline Celico, mulher do jogador Kaká, recentemente contratado pelo time espanhol. Para Caroline, o milagre é evidente: “Como pode alguém no meio da crise ter dinheiro? Deus colocou esse dinheiro ma mão do Real Madri para contratar o Kaká. Nós vamos abrir uma igreja lá. Existem vidas que têm que ouvir essa palavra”.
A igreja em pauta é a Renascer em Cristo, propriedade da bispa Sônia e de seu marido Estevam, aqueles mesmos que foram em cana e estão proibidos de sair dos Estados Unidos por tentarem entrar lá com um punhado de dólares não declarados. Devem ter achado sacrilégio declarar um presente tão singelo do deus lá deles.
Eu já devia não me espantar mais com essas picaretagens que, aliás, não são privilégio de nenhuma dessas seitas em particular. Quem se der ao trabalho de assistir ao vídeo vai constatar facilmente que a mocinha não acredita em uma vírgula do que está falando. O que me espanta mesmo é que exista gente crédula o suficiente para se deixar encantar por um discurso ôco de qualquer sustância, seja divina ou profana.
Não é que eu queira tirar o direito de Kaká e sua doce Carolina acreditarem em um deus particular que os protege e enriquece. O que me incomoda é qualquer desses descolados usar o seu brilho pessoal para nos convencer que são os escolhidos dos deuses. E que nós, que ralamos ao rés dos chão, só ascenderemos aos ouros celestes se abrirmos mão de uma parte significativa do fruto do nosso suor para abastecer a conta bancária dos arautos dessa divindade boçal e alienada do sofrimento dos povos.

12 julho 2009

Parto natural


À uma e meia da madrugada, entramos em trabalho de parto. Entramos eu e Glória, os avós, Flávio, o marido e, last but not the least, Ana Lia, que bateu no nosso quarto e avisou com toda naturalidade: minha bolsa rompeu.
Muito naturalmente, chispamos para a maternidade, pois nossas contrações já atacavam em menos de cinco minutos de intervalo. Parteira e pediatra a postos, decidiu-se que o parto seria ali mesmo, no quarto. Nada mais natural, portanto, que eu me retirasse, pois tinha clara consciência da minha inutilidade naquele momento.
Talvez essa tenha sido a decisão mais errada da minha vida. Fiquei andando feito um bicho enjaulado pelos corredores, ouvindo os gritos de minha filha e imaginando todas as torturas que lhe estavam sendo infligidas por aquele bando de perversos. Por vários momentos estive a ponto de irromper no quarto de arma na mão e gritar: isto é um seqüestro. Todos para a sala de cirurgia.
Mas de repente fez-se um silêncio logo quebrado por um vagido apaziguador. Foram-se os monstros e em seus lugares estavam uma médica perfeita, uma pediatra competente, uma avó em lágrimas, um pai em transe e um mãe em exausta beatitude.
Foi a primeira vez que testemunhei auditivamente um parto natural. Pelo que sofri, passei a achar que não existe nada mais natural do que uma boa cesariana. Mas todas dizem que é bem melhor a recuperação rápida do que a chateação pós-cirúrgica. Não tenho como optar.
Natural mesmo é o nosso resguardo. Há uma tendência generalizada a ficar na cama, voltar depressa pra casa, nadar em lágrimas a qualquer pretexto. Natural mesmo é o clima amoroso que se instala em toda a casa contaminando outros endereços em volta do mundo. Natural, muito natural é que eu esteja aqui tentando disfarçar um sentimento transbordante que me causa a condição de avô de Anita.

06 julho 2009

Mãos dadas


Deram-se as mãos.
E achando pouco, os dois deram-se as bocas.

Queriam mais.
Então, deram-se os corpos.

E muito mais tiveram para dar
assim presenteados um ao outro.


Imagem obtida em: cgi.ebay.com.sg