28 março 2014

Teoricamente


Teoricamente, eu estou morto. Pelo menos é o que atestam todos os exames recentes que o médico me pediu. Ácido úrico, colesterol, triglicerideos, está tudo lá em cima. Isto sem falar no mapa de pressão arterial que me colocaria no livro do Guiness, se houvesse interesse em registrar este tipo de recorde.

Pelo que está acontecendo comigo ultimamente, acho que a coisa não é tão teórica assim. Abstraindo, até onde for possível, alguns achaques leves próprios à idade, vivo num estado de bem-estar que beira a beatitude. Tive, recentemente, uma semana inteira de alegria ao ver o meu trabalho sendo curtido por crianças e adultos na Semana Literária da Estação Ciência que me deu a honra de ser o autor convidado. Ao perceber o encantamento das crianças pelos poemas expostos, um professor de uma escola municipal de Cabedelo, sabendo que eu moro na cidade, preparou, junto com os alunos, uma homenagem para mim. Isto sem falar na satisfação que me dá o acolhimento de Cila, meu livro-poema mais recente (eu ia escrevendo “último”, mas corrigi a tempo) que lancei no último dia da tal Semana. Parece homenagem póstuma, com a pequena diferença de contar com a minha presença.


Desde que comecei a estudar, de vez em quando escuto que “nada é tão prático quanto uma boa teoria”. Espero, portanto, que as coisas se atenham ao âmbito teórico, dispensando as provas empíricas. Vou voltar ao médico, me submeter a todas as exigências regimentais para tentar voltar a peso e taxas próximos do normal. Sei o quanto vão me exigir em cortes de alimentação e prazeres. Portanto, se vocês me virem por aí, pálido esquálido e cabisbaixo, não se assustem: sou eu, novamente, esbanjando saúde.   

16 março 2014

Cila - o poema e o mito




William Costa

Sem desprezar a consistência poética, científica e filosófica de Heráclito, entendo que são uma única água as águas que banham este mundo em ciclos imemoriais - incontáveis idas e vindas ao Céu e à Terra. Urano e Gaia unindo, através da transparente substância, o que Cronos separou.

Os ventos e a água salgada escarificam e lavam a caveira encravada na rocha, livrando de algas e conchas a caixa craniana. Na verdade, trazem de longínquos lugares, e as escondem na tétrica figura, histórias da gênese do mundo. Encoste-se ali a orelha esquerda, e surpreender-se-á com o olvido.

Aportam, desse modo, em nossas praias, sopradas pelos zéfiros que varrem o Oceano Único, histórias do Mediterrâneo - braço atlântico estendido a Oriente. Felizmente, Éolo gosta de histórias, e não de segredos. Por isto, domou os ventos, transformando-os em mensageiros, para a salvação dos mitos.

Ninguém caminha impunemente entre o Atlântico e as Falésias do Cabo Branco. A memória do tempo sobrevive nesta assombrosa paisagem. Portanto um simples tronco seco de madeira, preso nas pedras, pode dar corpo e alma ao mito, que não se entrega e permanece em luta contra o esquecimento.

O poeta vê coisas para as quais os mortais comuns estão cegos. Todos passaram por Cila, mas não a viram, embora reverberasse nas encostas o silêncio – o mais eloquente dos gritos. Sem nada pronunciar, a bela ninfa, que a enciumada Circe transformou em monstro, inundou o bardo de palavras, montando o poema.

Cila era tronco por fora e um rio por dentro. Deste fio d’água subterrâneo, pelo qual escorrem o tempo e a memória, depende a sua sobrevivência. É preciso mais que olhos de lince para transfixar o objeto e contemplar-lhe o âmago. Faz-se necessário possuir os raios X da poesia, para enxergar o que a casca oculta.

A trágica cilada, que já fora cantada pelos célebres aedos de Grécia e Itália, retorna, renovada, nos versos surpreendentes do poeta de Alagoas. Somos todos odisseus. Carecemos de ouvir histórias, ou as versões da mesma história, para suportar melhor a dura jornada, que todos sabemos aonde vai terminar.

Ouçam o canto moderno do poeta alagoano. Que pujante lamento pela condição humana do mito. Que gesto amoroso, este de solidarizar-se com um ser que, num ato suicida para além da imaginação, se desgarra da narrativa e tenta chegar viva à praia ocidental, para, inútil, reivindicar o fim de sua agonia.

Profético, o poeta, dando voz ao Atlântico, anuncia, pela via do esquecimento (talvez a maior dentre todas as traições humanas), o ansiado descanso para a ninfa que Glauco tanto ama. Seca a memória dos homens, é verdade, poeta! Mas livros como Cila reterão a gota, reiniciando o ciclo, perpetuando o mito.





13 março 2014

Convite


10 março 2014

O demônio dos copos

      

Na cozinha de toda casa mora um demônio terrível. Invisível, como todo demônio que se preze, sua proeza é das mais assustadoras: ele faz aparecer copos sujos no balcão da pia.
 Ele age sorrateiro, sem fazer barulho. Quando você suspira aliviado por ter, finalmente, acabado de lavar toda a louça, eis que aparece no canto do balcão dois copos que você jura que não estavam ali há dois segundos. Conformado, você esquece a dor nas costas e volta à lide com água e sabão, adiando o prazer do corpo jogado no sofá com os olhos perdidos naquela novela que você nem sabe o nome.
         Mais cedo ou mais tarde, você vai se cansar da pasmaceira televisiva e vai ver se tem algo de interessante na geladeira. Daí você olha para o balcão e está lá, acintoso, um copo sujo de qualquer coisa. Foi o demônio, você tem certeza, foi o demônio dos copos que botou ele lá.
         Confesso que sou muito propenso a ficar assombrado com certas coisas que acontecem na minha casa. Passado o arrepio inicial, entretanto, a racionalidade me obriga a descobrir a causa da assombração e minha respiração volta ao normal. Mas até hoje não encontrei explicação para o fenômeno dos copos misteriosos.
         A pior coisa que pode acontecer a um lavador de louças é se encontrar sozinho em casa. Porque você tem certeza de que não tem mais ninguém para sujar os copos, sabe exatamente a quantidade que usou durante o dia. Aí, quando você se dá por feliz pelas poucas peças que teve que lavar e enxaguar, eis que aparece, no canto mais distante do balcão, um copo sujo, saído do nada. É o momento supremo das artes do diabo sem nada mais importante para fazer.

         E somando-se ao medo que eriça a espinha, você fica com raiva de saber que, escondido em algum canto da cozinha, o diabo dos copos está rindo de você.   

08 março 2014

Semana literária




A Estação Cabo Branco – Ciência, Cultura e Artes estará promovendo no período de 11 a 15 de março a 1ª Semana Literária que terá como tema a obra do poeta e escritor Ronaldo Monte. 
As atividades acontecem no primeiro pavimento da Torre Mirante, com início sempre às 10h. A entrada é gratuita.



PROGRAMAÇÃO

Terça-feira (11) - Poesia Encenada: 
Roda de Leitura (Participação de Ronaldo Monte) – 10h;
Oficina de teatro (Oficineiros: Wellandro Duarte e José Carlos) – 14h
Varal de Abertura (Participação de Ronaldo Monte) – 19h

2Quarta (12) - Poesia Musicada 
Oficina para musicar (Convidado: André Aguiar) – 9h30
Oficina: Poesias para musicar (Convidado: André Aguiar) - 14h
Sarau – Poesia e música (Convidados: Glaucia Lima e Grupo de poesia Aedos - UFPB) – 19h

Quinta (13):  Poesia Regional
Oficina de Cordel (Convidados: Ely Cabral e Arthur Cavalcanti) – 9h30
Oficina de Xilogravura (Convidado: Marcelo Soares) – 14h
Roda de contos e causos (Convidado: Rodrigues Lima) – 19h

Sexta (14): Histórias de Amor
Contação de Histórias (Oficineiros: J. Carlos e Wellandro Duarte)  – 9h30 e 14h
Varal de poesias (Convidado: Ronaldo Monte)  – 19h

Sábado (15)
Lançamento do livro “Cila”, de Ronaldo Monte, com ilustrações de Flávio Tavares - 15:30h.


Local: Torre Mirante da Estação Cabo Branco – Ciência, Cultura e Artes – Altiplano
Informações: www.joaopessoa.pb.gov.br/estacaocb
Face: www.facebook.com/estacaocb - Twitter: @estacaocb
Fones: 3214.8303 – 3214.8270

Contato para imprensa: Maria Hawley ou Denise Paz – Fones: 87199730 / 96515165.