26 março 2013

Poemas maternos





Primeira canção


Sei que estás aqui.
Um resto de gozo
ainda me ondula as carnes,
mas sei que já estás aqui.

Ainda tensa pelo esforço recente,
minha mão já afaga
o lugar onde te guardo.

Mal começo a te fazer
e já meus braços querem
se fechar em ninho.

E minha voz ainda arfante
já ensaia as primeiras notas
de uma canção
para te ninar.




Ofício do tempo

 

Entrega teu corpo ao tempo
que o tempo faz seu milagre

Entrega ao tear do tempo
As fibras da tua carne

Espera
Somente espera
que o tempo sabe o ofício
de tecer com tuas fibras
o pano rubro da vida.



Berço


Ainda não sabes,
mas já tens um nome.

E os nomes de todas as coisas
já esperam para brincar contigo.

Teu verdadeiro berço é minha voz.
E com ela te mostrarei o mundo.

Já estão prontas em mim as palavras
Que transformarão teu corpo
Em carne viva.





Canção do ventre

Dorme
que dentro de mim
é sempre calmo.
Meu clima é bom.
Sou um canto de esperar.

Dorme
que dentro de mim
é sempre berço.
E canta uma eterna cantiga de ninar.

Dorme
que dentro de mim
é sempre casa.
Um cômodo só,
muito espaço pra brincar.

Dorme
que em mim
será sempre madrugada.
Dorme
que dentro de mim
é sempre mar.

Dorme
que dentro de mim
é sempre tempo
da vida se refazer
e depois se acordar.


 De pé

Em poucos meses repetes
O que custou séculos à humanidade.

Levantas do chão
as patas dianteiras
e entre júbilo e quedas
ensaias teus primeiros passos.

Agora
tens as mãos livres
para o amor
        o trabalho
        a guerra.



Embalo do trem noturno


Longe, longe,
muito longe.
Impossível ver o corpo do teu filho
morto
caído
os olhos abertos ao trem
que não o levará.

Tarde, tarde,
muito tarde.
Impossível ter o corpo do teu filho
morto
frio
a carne ressecada
ávida da terra que o amornará.

Longe e tarde jaz
o corpo do teu filho,
prematuro nada.
  
Resta apenas o corpo do teu filho
ontem
pequenino
que embalas hoje
noite adentro
tempo adentro
até não restar mais
dor, canto, noite ou tempo.

Até que durmas tu,
mãe do sofrimento.