18 agosto 2013

Os monstros de André

Eu tenho medo de alma, não gosto de filme de vampiro, não durmo com o pé do lado de fora do lençol e fico olhando de lado quando vou sozinho pela rua. Sou um medroso assumido. Foi por isso que abri com certo receio o “Chá de sumiço e outros poemas assombrados”, novo livro - supostamente infantil - de André Ricardo, que saiu agora pela Autêntica de Belo Horizonte.
O livro fala de cemitério, coveiro, Frankenstein, morto-vivo, Bicho-Papão, múmias e outros espectros menos cotados. André enrola a gente com uma poesia bem elaborada, umas palavras bem escolhidas, transformando em brincadeira os nossos medos de criança. Às vezes avança em um terreno onde a criação poética trisca as farpas do trocadilho. Mas o poeta vence e a poesia é maior que o simples jogo das palavras. O poema do Bicho-Papão é o que mais se arrisca nessa fronteira.
As ilustrações de Luyse Costa traduzem bem o espírito dos poemas. O traço finge uma simplicidade que revela, mais que esconde, a intenção geral do livro que, no meu fraco entender, é tocar com leveza nos nossos fantasmas recônditos, despertando-os, mas deixando-os meio sonolentos, sem muita vontade de assustar.
Este é o dever de todo bom poeta: usar o artifício da palavra para tocar em certos territórios estrangeiros do leitor e ali despertar sentimentos há muito adormecidos e alguns jamais suspeitados. O poeta é uma espécie de “coiote” mexicano que transporta os afetos migrantes pela fronteira desertificada com a promessa (nem sempre cumprida) de fazê-los emergir no território da palavra, onde por fim alcançarão a cidadania simbólica.
André é um “coiote” competente. Seu poema “Almas” é o que melhor estabelece esta ponte de palavras entre os medos infantis e sua elaboração pelo humor, permitindo-nos revisitar nossos fantasmas com a íntima distância que o trabalho simbólico permite.

Será o “Chá de sumiço...” um livro infantil? Certamente que sim. Mas no sentido em de que se dirige ao “infantil”, o território do “infans”, do sem fala, que permanece como relíquia em cada um de nós.