23 janeiro 2009

Corpo a corpo

No sábado passado, o Clube do Conto da Parahyba decidiu que o tema para a próxima reunião seria “coveiro”. Não gostei, mas como não me ocorreu outra sugestão, acabei concordando. Já estava decidido em não escrever nada, quando encontrei na newsletter da BBC Brasil uma notícia sobre uma exposição de obras de arte contemporânea inspiradas em atentados extremistas, intitulada “Embedded Art”.

Dentre as obras que ilustravam a matéria, uma me tocou profundamente. Era a foto de um corpo enrolado em um lençol, o que se configurou para mim uma representação expressiva dos muitos corpos de palestinos vítimas de atentados ou represálias israelenses. Sua autora era a fotógrafa alemã Christina Zueck.
Logo que vi a foto, pensei no tema do Clube e decidi escrever um conto em que um coveiro fazia considerações sobre um corpo anônimo à espera da competência do seu trabalho. Mas logo nas primeiras linhas, o texto começou a se configurar como um poema e assim se concretizou até a última linha.

Assim que postei o poema no meu blog, acompanhado da foto com os créditos do autor e da fonte, enviei para a minha lista de endereços, recebendo imediatamente vários comentários referentes à contundente emoção causada pelo texto e sua ilustração. Dentre essas respostas, infelizmente, havia a da fotógrafa Christina Zueck, solicitando a retirada da foto que ilustrava o poema. Lamentei profundamente, mas atendi à solicitação. Telefonei então para o meu amigo Fábio Cavalcanti, que além de um guitarrista virtuoso é um excelente desenhista e ilustrador. Ele se comprometeu a trabalhar no tema com a urgência possível.

Enquanto esperava a solução do amigo, recorri então ao Google, onde encontrei uma foto jornalística que não possuía a beleza poética da foto anterior, mas me serviria provisoriamente de ilustração.


Hoje de manhã, abro minha correspondência e encontro outra mensagem de Christina Zueck reconsiderando o seu pedido e me autorizando a publicar a foto no blog. Decidi então esperar a ilustração do Fábio para tomar uma decisão, depois de ouvir o Conselho Familiar. Quando chega, enfim, o trabalho do Fabinho, vejo que é uma versão estilizada da foto da Christina.

A decisão coletiva, que decidi acatar, foi que usasse o desenho do Fábio como ilustração definitiva do poema, já que a foto da Christina tinha sido contemplada na postagem inicial. Espero que esteja encerrada esta minúscula querela sobre corpos palestinos envoltos em lençóis.

22 janeiro 2009

O corpo


O que fazer com este corpo?
Onde deve ser enterrado? Ou deverá ser cremado?
Que signo lembrará a sua morte?

Quem conhece este corpo?
Que nome tinha, como era o rosto, quais cicatrizes, como sua voz?

De onde vem este corpo?
Onde morava, com quem vivia, teria filhos, quem são seus pais?

O que fazia este corpo?
Com que lutava, o que comia, a quem amava, com quem dormia?

De quem é este corpo?
De algum vizinho, de algum parente, de alguém distante, talvez o meu?

Ronaldo Monte

Desenho Fábio Cavalcanti




21 janeiro 2009

Não aceitamos reclamações


Melhor não esquecer: Barak Obama não foi eleito presidente do mundo. E quando ele treme a voz para falar "América", não está nem um pouco preocupado com a gente daqui de baixo.

18 janeiro 2009

Isla Ngra convoca: I INTIFADA POÉTICA INTERNACIONAL

Hay que llamar a las cosas por su nombre: lo que está sucediendo en Palestina se llama genocidio.
Es así de simple. Y la única manera de pararlo, de detener la matanza, es con la presión internacional, presión a todos los niveles: cultural, política, diplomática, económica, militar, ética, y todas las variantes y herramientas posibles para garantizar no sólo el STOP a la masacre, sino la plena ocupaciòn de los territorios legítimos pertenecientes a Palestina, por los palestinos...
Ademas de la condena moral al gobierno sionista de Israel (que no representa el absoluto sentir del pueblo israelita) la concreciòn de un juicio a los responsables del genocidio en los estrados internacionales.
Los poetas no podemos mantenernos al margen de la realidad, ni del sufrimiento de niños, madres y padres pertenecientes al pueblo palestino que están siendo masacrados. No podemos mantener nuestra voz en silencio cuando vemos que, en pleno siglo XXI, se intenta borrar del mapa a todo un pueblo, como ya sucedió en reiteradas oportunidades con otros pueblos del mundo. Tenemos que hacer valer los versos de Gabriel Celaya: "La poesía es un arma cargada de futuro" y utilizar, por lo tanto, ese arma, para detener esta guerra.Por eso, los poetas Gabriel Impaglione y Fernando Luis Pérez Poza proponemos la realización de un bombardeo poético de las instituciones, embajadas, empresas, y demás tinglados relacionados con el gobierno israelí, incluida la Casa Blanca de los EEUU.
Proponemos a todos los poetas de la tierra, sin distinciones de ninguna especie, que afinen su puntería y hagan llegar sus poemas por fax, correo postal, e-mail, en definitiva, de todas las formas posibles a dichas instituciones.
Proponemos la
I Intifada Poética Internacional

en la que sustituyamos las piedras por poemas que incluyan los nombres de los responsables del genocidio, la memoria de sus víctimas, el Basta riguroso, indeclinable, a la barbarie.
Allá donde estés envia tu poema a una institución israelí o a la Casa Blanca. Respondamos a las bombas con poemas.
Pueden organizarse los poetas de la manera que crean conveniente.
Hay grupos en todo el mundo que han alzado la voz contra la tragedia, que se han nucleado en la poesia, que han elaborado documentos, publicaciones, organizado marchas y actividades culturales contra la violencia sionista. Poetas que ya han dado el ejemplo con sus versos y su compromiso personal junto a millones de personas que desde sus actividades han sumado la protesta. Pueden los estudiantes de todos los niveles de enseñanza escribir una poesia, incluirla en un sobre y enviarla por correo, personalmente, a una embajada israelì. Todas las formas de lucha poética están a la mano. Poesía ilustrada que se muestre en plazas, calles, lugares públicos. La convocatoria ya esta lanzada, como una piedra-poema... esta acciòn puede decirlo todo con pocas palabras.

Estas son nuestras armas: LA POESIA!!

Visitá el blog: http://isla_negra.zoomblog.com Isla Negra en el Directorio Mundial de la Poesia - www.unesco.org/poetry

17 janeiro 2009

Dor


Tenho um nome, é claro, tenho um nome. Mas esse nome não me diz quem sou. É preciso que me toquem para que eu saiba que alguém me chama. Tenho família, sim, mas não é minha. Eles morrem um a um e não sinto que o mundo se esvazia. Também não tenho história. História para mim tem começo, meio e fim, com um fio condutor ligando os dias. Não tenho fio. Tenho pedaços soltos sem nenhum sentido. Tenho profissão, emprego, cartão de crédito e tudo aquilo que dizem ser preciso. Tenho um carro com farol halogênico e um som de tantos mil decibéis. É com isto que me sinto vivo. Quando acendo os faróis e vejo o pessoal dos outros carros se ofuscar. Quando paro no bar com a mala aberta e as pessoas das mesas pedem a conta. Não gosto de ninguém perto de mim. Nem homem, nem mulher. Só quando estou só me sinto um pouco vivo. É quando bebo para me encher por dentro e ligo o som para sentir a pancada do lado de fora. É quando sei que uma coisa como um grande saco plástico contém o meu transbordamento. Uma borda. É tudo que preciso, uma borda. Quando era menino, batia a cabeça na parede para sentir onde eu terminava. Fiz cruzes com gilete pelos braços. Depois enchi o corpo com tatuagens de demônios. Coisa boa foi quando descobri o tamanho da dor que podia causar nos outros. Briguei muito, senti o gosto de quebrar uma cara com um soco inglês. Apanhei muito, também. E foi apanhando que aprendi que existia um dentro e um fora. A dor marcava essa fronteira. Me viciei em dor. E como em todo vício, fui precisando de doses cada vez maiores de doer. Agora, estou pronto para a dose final. Vai ser como um raio, um microssegundo. Mas no mínimo tempo em que sentir o calor da bala, vou me sentir o mais vivo dos vivos.

Ronaldo Monte
Clube do Conto da Parahyba. 17.01.2009

Imagem obtida em
raparigadaslaranjas.blogs.sapo.pt/arquivo/200...

16 janeiro 2009

Segunda chance

Se for achado em Gaza
um menino em uma manjedoura,
rodeado pelos pais,
três magos
e alguns bichos,
por favor, protejam-no.



Pois a matança dos inocentes
já começou
e a rota de fuga para o Egito
está interditada.

Ronaldo Monte.
16.01.2009
Imagem obtida em: www.nodo50.org

06 janeiro 2009

Sobre "Som e sofrimento"

Foram muitas as pessoas que responderam à provocação que fiz na última postagem do meu blog sobre o problema da agressão sonora como epidemia ameaçadora à saúde pública.
A razão da ampla divulgação do texto deve-se à sua transcrição pela revista eletrônica Sim Paraíba, editada pelo fotógrafo Guy Joseph (http://www.simparaiba.com/), onde convive com dois textos excelentes do jornalista Petrônio Souto. Teve também a decisiva acolhida que recebeu nas listas http://www.umaseoutras.com.br/, mailto:cidadeecultura@yahoogrupos.com.br e mailto:coisademulher%40yahoogrupos.com.br. O jornalista Rubens Nóbrega também deu uma força na sua coluna de hoje (6.01.09) no Correio da Paraíba.
Desânimo
O que me chamou a atenção, porém, foi o grau de desânimo quanto à possibilidade de enfrentar a marcha progressiva dos batalhões dos predadores sonoros. E a principal causa do desânimo é a descrença na vontade dos poderes públicos em enfrentar o problema.
Daí que a maior parte dos comentários sugere a mudança pura e simples dos incomodados, dado o risco do enfrentamento pessoal e direto. Um deles me sugere a fuga na leitura de um bom livro e aproveita a oportunidade para, modestamente, recomendar um romance de sua autoria, recém editado. Se ele me autorizar, posso publicar o nome da obra e do autor. Outra me sugere a compra de um bom fone de ouvido e me fornece o endereço eletrônico de uma rádio que toca música clássica.
Dentre os relatos daqueles que tentaram enfrentar o problema, tem o de uma escritora que, em setembro de 2007, prestou queixa à Sudema e à Ouvidoria da Prefeitura de João Pessoa sobre esse tipo de agressão. Somente em outubro de 2008 recebeu uma resposta da Ouvidoria perguntando se ela gostaria mesmo de manter sua reclamação. Acontece que a reclamante já havia se mudado há mais de um ano, só lhe restando agradecer a presteza do atendimento.
Por outro lado, duas amigas me encaminharam e-mails da Secretária Adjunta da Secretaria do Meio-Ambiente da PMJ, colocando-se a serviço do movimento que porventura surgir a partir da discussão objetiva do problema.
Extensão do problema
Como é sabido por todos, o problema da sujeira sonora não se restringe à nossa Capital. Recebi testemunhos da mesma degradação em cidades como Pombal e Bananeiras. A extensão da epidemia é reafirmada por mensagens enviadas de Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo e Florianópolis.
Uma lista de discussão
Por considerar como correspondência privada a maior parte dos comentários enviados para o meu e-mail, não me sinto no direito de divulgá-los. Por isso, sugiro que alguma lista já existente se ofereça para abrigar as postagens sobre o assunto, o que proporcionará aos interessados uma visão de conjunto das opiniões e sugestões.
Próximos passos
A partir das sugestões oferecidas na lista que for disponibilizada, sugiro que agendemos uma reunião em que sejam convocados os agentes públicos responsáveis, incluindo aí representantes da cidade de Cabedelo, pela contigüidade territorial e compartilhamento dos problemas causados pela epidemia.
Enquanto isso, minha “assessoria jurídica” (leia-se Ana Lia, minha filha) está fazendo um levantamento das leis e regulamentos já existentes e disponíveis na rede sobre o assunto.
Sugiro a todos que procurem tomar conhecimento de programas desenvolvidos em outros lugares para combater a epidemia sonora. A rede existe para isso.
Não sei, mas tenho a impressão que vamos conseguir alguma coisa se levarmos adiante o movimento. Um abraço ruidoso para tod@s.

02 janeiro 2009

Som e sofrimento


Era véspera de ano novo e eu estava na fila do supermercado. Como sempre, nestes momentos, me distraio escutando o que as pessoas falam ao redor. Mas não era motivo de distração o que ouvi de um senhora atrás de mim: Ai meu Deus, daqui a pouco vai começar a barulheira. Todas as casas da minha rua botam o som nas alturas. Eu não consigo dormir. Fico com uma dor na nuca e uma vontade enorme de vomitar.
Dor e sofrimento. Eis o resultado cabal do desvario a que chegou o uso irresponsável da parafernália sonora ao alcance de qualquer orçamento.
Mas o sofrimento pelo uso do som alto não vitima apenas aos que o escutam involuntariamente. Prestemos atenção aos seus executores. Quando carregam o som na carroceria de suas camionetes, geralmente estão sós, os olhos perdidos muito além do pára-brisa. Quando, em grupo, abrem portas e malas de seus carros na frente de um bar, balançam-se como autômatos, geralmente sem qualquer companhia feminina. Em casa, são deixados a sós na sala pelo resto da família.
É preciso alguém estar muito mal do espírito para infligir a si mesmo, por horas a fio, tamanha tortura. É necessário também uma boa dose de ódio aos seus semelhantes para atacá-los tão agressivamente.
Isto sem falar na qualidade da música, geralmente reduzida a um ritmo primitivo e repetitivo e, quando existe, a uma letra simplória e pornográfica.
Lembrei-me da mulher do supermercado quando, na minha casa de Cabedelo, atravessei a noite do ano novo sob o fogo cruzado de duas baterias sonoropornográficas. Começaram na tarde do 31 e só findaram no começo da noite do dia primeiro. Foram mais de vinte e quatro horas de barbárie.
Exasperado, telefonei para o plantão de polícia para escutar de um sonolento e simpático atendente que o problema não era mais deles. Deu-me o número da Sudema e se despediu com um certo tom de dever cumprido. Disquei para o 88391909 esperando que alguém viesse em socorro do meu meio-ambiente auditivo. Uma voz muito minha conhecida me informou que o número discado estava desligado e não tinha caixa postal.
Desamparado pelo poder público, fui ver o que podia fazer com meu pobre poder pessoal. Me aproximei da casa barulhenta, mas não tive coragem de falar com ninguém. Era um pequeno grupo familiar, com algumas crianças desoladas pelos cantos e um punhado de adultos bêbados de olhares perdidos e passos autômatos. Um quadro mórbido de solidão e sofrimento.
Os problemas causados pelo uso inadequado dos aparelhos de som já se caracterizam como epidêmicos. São, portanto, um caso de saúde pública. Gostaria de fazer alguma coisa mais efetiva para combater esta epidemia. Aguardo sugestões.

Ronaldo Monte

Imagem obtida em:paginaemconstrucao.blogspot.com