04 outubro 2014

A dama transitória


         Ela é conhecida como Dama da Noite. Uma for bela e perfumada que começa a se abrir no início da noite, atinge seu esplendor com a noite já alta e amanhece murcha no outro dia. Algumas poucas vezes de um só pé florescem muitas delas. Já foram contadas mais de vinte na casa de uma amiga. Na minha casa, o máximo que conseguimos foi dezoito numa só noite. Mas o encantamento maior acontece quando apenas uma flor anuncia que vai desabrochar. Esperamos a noite com certa ansiedade e no mínimo uma garrafa de vinho.
         Pra que tanta reverência, pode estar perguntando você que me lê, com uma flor que não vai durar mais que uma noite, que amanhecerá murcha e sem graça, fazendo-nos lembrar da transitoriedade de tudo o que agora é jovem e bonito.
         Acho que é justamente aí que reside o encanto da Dama da Noite. Vê-la em todo o seu esplendor nos obriga a fruir sua beleza com toda a intensidade possível, pois sabemos que daqui a pouco iremos perdê-la. Este sentimento de fruição estética se intensifica por conta da mescla com esse luto antecipado, essa certeza de que daqui a pouco o objeto do nosso deleite não estará mais aí.
         Pensando bem, não apenas a Dama da Noite é transitória. Todo o mundo à nossa volta sofre da mesma transitoriedade. Nós é que nos iludimos com a crença de que o mundo e nós somos eternos. Precisamos dessa crença, pois nos custa muito nos acostumarmos com a nossa condição de passageiros neste planeta que também está de passagem. É difícil aceitar que um belo dia a nossa querida Via Láctea vai se chocar com Andrômeda, a nossa galáxia vizinha, e tudo sumirá pelo ralo de um buraco negro. Muito difícil também é nos acostumarmos com a ideia bem mais prosaica de que vivemos num mundo completamente diferente daquele que nos legaram nossos pais. Há uma descontinuidade gritante entre o mundo que emergiu da segunda grande guerra e este que emerge disto que chamamos de pós- modernidade.

         O mundo não é o mesmo, o ser humano não é o mesmo. Nossas esperanças de viver num mundo solidário e pacífico perdem paulatinamente seus fundamentos. Somos todos efêmeros, como a Dama da Noite que ontem nos mostrou sua beleza. Tentemos pelo menos ser bons e belos em nossa pobre transitoriedade.