20 dezembro 2006

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Há poucos dias, fui levar um grande amigo no aeroporto. Ele foi para São Paulo fazer uma operação delicada. Extrair um dos rins. Isto mesmo. Estava com câncer. Estou apreensivo enquanto escrevo. Sei dos prodígios da medicina moderna, estou informado sobre as margens favoráveis de recuperação em casos idênticos ao seu. Mas estou inquieto. Uma sombra de angústia me acompanha nos mínimos afazeres do dia. É esta mínima incerteza sobre o retorno do meu amigo que me inquieta. Toda ida carrega em si o complemento da volta. Sabem disso os amantes e os pássaros migrantes. Só deixamos alguém em paz numa estação quando ele já veio e está voltando, ou se está indo com a data da volta garantida. Ver partir alguém sem a certeza de revê-lo deixa em nós a sensação de um nó desfeito. O desamparo de um fio desatado. Por isso nutrimos a esperança do perdão dos que nos deixam. Por isso inventamos a vida eterna que um dia a todos nos reunirá. Se me for permitido querer mais alguma coisa deste ano tão pródigo de afetos, quero que volte o meu amigo. Mesmo mais leve do seu lado esquerdo, quero que volte. Quero que ele esteja perto de mim com sua mulher e seus filhos, com seus cachorros e seus livros, com seu sotaque francês de Catolé do Rocha. Quero também que voltem para junto de mim todos os meus amigos distantes. Aqueles que foram e não podem vir. Os que estão ali perto e não sei por que cargas d’água não aparecem. Quero todos por perto. Quero ver suas caras, ouvir suas vozes e me assegurar de que não estou só nesta viagem.

(Ilust.: Malas y sombrero. Óleo sobre tela de Juan Valcarcel).

Um comentário:

Anônimo disse...

Querido Ronaldo e Cara Gloria

compartilho da sua aprensao pelo amigo comum e tambem espero que possamos te-lo de volta o mai breve possivel para topmar uma cerveja junto na praia do Cabo Branco.
Em fevereiro estarei de volta.
Abraços carinhosos e saudosos
Giuseppe