12 novembro 2006

Moto contínuo



Lá vem o som que não me diz o que me quer e entra em mim cravando garras num lugar qualquer de dentro de onde fica espinhando querendo dizer, querendo dizer e não dizendo e me fazendo repetir o que eu não sei.
Lá vem a sombra e sua luz em movimento, vem de longe, chega perto e logo foge, me embaraça, sem dizer a que me vinha. Fica presa nos meus olhos essa luz e sua sombra, sugerindo uma forma que não sei denunciar.
Lá vem o frio e seu calor que me envolve e me acarinha, que me toca, me aperta, me alisa, me conforta, que me larga, me abandona, desampara e se aloja num lugar que não sei como alcançar.
Lá vem cheiro e catinga com notícias de outro mundo que me entra pelas ventas e se entranha nas entranhas desta carne que deseja ela mesma se juntar à outra carne de onde partem os odores sem jamais a encontrar.
Lá vem esta carne tenra se alojar em minha boca, jorrar essa água morna que desliza nos meus ocos e se infiltra nos meus ossos, construindo meus volumes, definindo meus limites para logo mais deixar-me no mais profundo abandono, no mais atroz desamparo, na mais cruenta agonia.
Lá vem, lá vem a palavra que me recria o som perdido nos meus ouvidos, que me compõe o fantasma, que me devolve o calor, que me relembra os cheiros, que me devolve o seio, que me lembra quem eu sou.
Lá vem, lá vem a palavra, reavivando os enigmas, desabrigando fantasmas, me deixando sem dormir.

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