13 junho 2008

A porta e a senha


Eu voltava para casa num fim de tarde, o carro passeando pelas ruas internas do bairro. De repente, um carro de trás buzina, dá sinal de luz. Encosto para deixá-lo passar, mas ele emparelha com o meu. Lá de dentro, o motorista e o carona gritam quase com raiva: a porta. A porta está aberta.
Este é um comportamento urbano que me intriga. Ninguém pode ver uma porta de carro mal fechada. Já cheguei a pensar que seria uma das poucas demonstrações sobreviventes do famoso estilo cordial brasileiro. Já não penso assim. Esta pretensa solidariedade esconde, a meu ver, pelo menos duas atitudes em nada louváveis. Uma delas seria a necessidade de se mostrar preocupado com o semelhante, sem se comprometer com o seu bem-estar. Dá-se um grito, faz-se uma cara simpática de compreensão e toca-se (literalmente) em frente. A outra atitude, mais autêntica, seria aquela dos ocupantes do carro no meu bairro: eu sou melhor do que você e estou me dando ao trabalho de denunciar o seu erro.
Outro comportamento, de desenvolvimento mais recente, ocorre quando o vendedor da loja ou do posto pede para você registrar sua senha na maquininha. Ostensivamente, ele (e quem mais estiver ao redor) vira a cara para o lado, como quem diz: veja como sou honesto. Não quero saber a sua senha. Um mínimo de psicologia de botequim serve para deduzir o tamanho do seu desejo em nos roubar a senha.
A porta e a senha: dois símbolos do acesso a lugares restritos, são boas metáforas para a aproximação entre as pessoas. Pena que estejam sendo usadas como expressão da má fé e da vaidade.


Ilustração obtida em picasaweb.google.com/.../XcviuxGFKuV6XMOXjahU9w

5 comentários:

quanto pesa o vento? disse...

"Este é um comportamento urbano que me intriga."

gostei do que li por aqui.
parabéns.

Anônimo disse...

Eu agradeço intimamente quando me avisam que minhaa porta está aberta. Por causa de uma porta de carro aberta e por falta de quem avisasse, minha filha, muito criança ainda, despencou de um taxi numa das principais avenidas da cidade. Sorte que não havia movimento intenso, não fora isso, um carro que viesse atrás ou de lado teria atropelado. As pessoas com um mínimo de urbanidade são gentis, nós é que somos mal humorados.

Dôra

VaneideDelmiro disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
VaneideDelmiro disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
VaneideDelmiro disse...

Bacana mesmo é porta do seu blog, que desejo sempre aberta. Dá um alô pra Glória. Abraços calorosos pra vocês.