04 março 2007

Feitiço




Estava amando loucamente a namorada do amigo. Mas só até aí a coisa parecia com a música do Roberto. Não foi procurar alguém que não tenha ninguém. Queria Anita. E só ela. Mas um mínimo de vestígio moral resistia em algum canto de sua alma, como lixo debaixo do tapete. Foi esse resquício de pudor que o levou a conceber uma estratégia que fizesse Paulo acabar com o namoro. Depois, sim, atacaria.
Treinou uma voz em falsete até atingir um tom verossímel de contralto. Sentiu um pouco de frio na boca do estômago enquanto teclava o telefone. Quando o amigo atendeu, vestiu com o mais puro veludo a voz que não sabia ter dentro de si.
- Oi, Paulo. Eu sei que você não me conhece, mas sou colega de trabalho de Anita, sua namorada. Ela também não me conhece, mas eu sei muito bem o que ela faz quando sai do trabalho. Sei, porque vejo o homem que vai apanhá-la de vez em quando, no fim do expediente. É claro que não é você. Sinceramente, não sei como ela prefere um sujeito feio e baixinho a um cara bonito e forte como você. E, além de tudo, inteligente, pois eu já vi você numa roda de amigos e você era quem tinha as opiniões mais sensatas, sem ser chato. Tudo o que você dizia era temperado com um delicioso senso de humor. Aquela mulher não lhe merece, Paulo. Ela só pensa em dinheiro.

E desligou. Desligou mas sentiu que faltava alguma coisa. Faltava ouvir a voz de Paulo, saber o efeito que suas palavras tinham causado. Saber o quanto ele tinha ficado perturbado, se precisava de algum conforto depois do choque violento que por certo levara. Afinal, nada do que havia dito sobre ele era mentira. Paulo era de fato bonito, forte e inteligente. Além do mais, era sensível. Devia estar sofrendo.
Não hesitou. Temperou novamente o contralto em falsete e voltou a teclar. Além do frio na boca do estômago, sentia agora o coração em disparada.

2 comentários:

Anônimo disse...

conhecendo o teu espaço.Gostando muito.Vou ler depois volto.

Ednamay disse...

Roma , roma, que danado esse cara, ele estava mesmo era afim do Paulo.

O comentário literário ficará por conta dos poeteiros de plantão.

bj