28 março 2007

A praga


O ambiente era soturno. Não só pela amplidão da sala, pelos móveis sóbrios, escuros, as janelas altas, solenes pelo peso das cortinas. Soturno também era o semblante dos homens que rodeavam a gigantesca mesa de reuniões.
O primeiro a falar foi o Presidente do Corpo de Acionistas. Você vai ter que compreender, Herr Ratz. O cargo de Diretor Presidente da nossa Corporação só pode ser ocupado por um homem casado. O produto que fornecemos é extremamente vinculado aos valores humanos mais conservadores. A nossa clientela jamais aceitaria que o nosso chairman of the board não tivesse um lar para onde voltar depois de um dia exaustivo de trabalho, onde uma mulher carinhosa e devotada o espera com o jantar quente, a cama morna.
Mas minha mulher disse que não vai. Ela detesta a Itália. O senhor sabe como são as alemãs. Ela disse que se eu for, vou só. Não me leva nem no aeroporto.
Isso é verdade, ajuntou o Secretário do Conselho. Já mandamos um emissário para sondar o assunto. Já tem até um advogado pronto para dar entrada no pedido de divórcio.
Sendo assim, retomou o Presidente, só temos uma alternativa. Arranjamos um casamento de conveniência com alguma moça decente que aceite uma soma razoável pela colaboração.
A cólera do Herr Ratz só foi contida pelo seu medo de uma expulsão sumária da Corporação. Limitou-se apenas a resmungar: um primeiro casamento pode ser uma infecção. Mas um segundo, não. Um segundo é uma praga.

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