31 outubro 2006

As coisas inúteis



Numa mesa de bar, comíamos ostras. Cruas, frescas, com limão e azeite. Sei que muita gente torce a cara me vendo sugar uma ostra diretamente da sua casca, arrematando com um gole generoso de cerveja gelada. Desculpe-me chocá-la, minha senhora, mas comíamos ostras. Terminada a farra, peguei a maior e mais bonita das cascas de ostras e embrulhei num guardanapo para levar pra casa. Pra quê?, perguntou um amigo. Para lembrar que estivemos aqui, neste domingo de sol. Lembrar que conversamos fraternalmente, gozamos a rara companhia do outro e que comemos ostras.
Para cada lugar que olhe em minha casa vou encontrar uma coisa assim, com a utilidade única de me lembrar um momento bom, vivido com pessoas de quem gosto. Tem um fruto de sapucaia, tem uma pelota de pinheiro, tem uma lasca de pedra do Ingá, tem embalagens vazias de charutos, um olho de boi e uma escama enorme de um peixe chamado piramutanga. E tem dois vidros de compota cheios de rolhas de vinhos que tomei em momentos de celebração.
E vejam que não estou falando do conteúdo de minhas gavetas, dos meus armários, nem das centenas de pedaços de papel enfurnados nos lugares mais improváveis. Abro um livro e lá está a entrada de uma peça de teatro maravilhosa vista há tantos anos. Vou procurar um papel e dou de cara com uma passagem de trem entre cidades vistas apenas uma vez. Levanto os olhos em busca de uma idéia e lá vai a imaginação puxada por uma moeda cunhada no ano do meu nascimento.
Não desdenho dos objetos e das máquinas que me servem no dia-a-dia. Facilitam minha vida, economizam meu tempo, me dão conforto e prazer. Pelo menos enquanto não me negam seus serviços, transformando-se então em objetos de tortura. Mas pelas coisas inúteis que me cercam tenho um carinho calmo e grato. As coisas inúteis me alimentam e me dão sentido.

3 comentários:

Anônimo disse...

Amei o novo texto,muito lindo. Amanhãmeencontrarei com Aninha e darei todos os recados e lembranças que me foram encomendados. Saudades.
Beijos

Luana

fábula portátil disse...

A felicidade é inútil mesmo - e a gente precisa tanto dela! Salve a escama dos peixes, o copinho de plástico velho, o primeiro dente do filho. Nosso pequeno museu de tudo e depois.
beijo da Rosa

Anônimo disse...

É um poético jeito de enxergar a bagunça de nossa casa...