18 julho 2008

Sejamos injustos


No final de 2005, Angélica Aparecida de Souza tinha dezenove anos e um filho de dois. Estava desempregada e seu filho tinha fome. Angélica entrou num mercadinho e escondeu um pote de 200 gramas de manteiga debaixo do boné. O dono do mercadinho, Seu Dadiel de Araújo, chamou a polícia. Azar de Angélica. Presa em flagrante, passou 128 dias no Cadeião de Pinheiros, em São Paulo. Quatro vezes o seu advogado pediu a sua liberdade provisória. Só conseguiu depois de apelar ao Superior Tribunal de Justiça. Depois de um tempo em liberdade, Angélica foi julgada e condenada a quatro anos de prisão em regime semi-aberto. Vai poder trabalhar durante o dia, só voltando à noite para a prisão. Vejam só o privilégio. Angélica, antes desempregada, agora pode sair para trabalhar. Não adianta perguntar onde. Isto não é problema da Justiça.
No dia oito de julho de 2008, a Polícia Federal botou na cadeia o banqueiro Daniel Dantas, o megainvestidor Naji Nahas e o ex-prefeito de São Paulo, Celso Pitta. Todos com ficha suja na polícia, acusados de comandar uma quadrilha responsável por desvio de verbas, lavagem de dinheiro, remessa ilegal de valores para o exterior, envolvendo altas autoridades do atual Governo Federal e do anterior.
Três dias depois, todos estavam soltos por decisão do Presidente do Supremo Tribunal Federal. Preso novamente onze horas mais tarde, o banqueiro Daniel Dantas foi presenteado novamente com um habeas corpus do STF. Não adianta a suspeita de que, em liberdade, terão todo o tempo e espaço para destruir provas, intimidar testemunhas, subornar autoridades. Isto não é problema da justiça.
Eis aqui dois casos em que a justiça foi aplicada em todo o seu rigor técnico. Mas existe alguma coisa dentro de nós que denuncia, em ambos os casos, a ausência de um critério ético na aplicação das leis.A fome de Angélica e a ganância de Daniel Dantas não podem ser julgadas pelo mesmo padrão de legalidade. A discrepância entre os seus crimes exige algo mais do que uma suposta igualdade de todos perante a lei. Daniel Dantas é mais “igual” do que Angélica. Ele é igual aos criminosos de colarinho branco, aos poderosos corruptos, aos freqüentadores de paraísos fiscais. Ela é igual aos milhões de famintos desesperados que escondem o furto no boné.
Se a aplicação dos códigos da justiça resulta em tratamentos tão díspares como nos casos de Angélica e Daniel, está na hora de sermos injustos. Antes do código penal, apelemos para o código de ética.


Imagem obtida em www.eu2007.pt/.../tribunal_de_justica.htm

Um comentário:

Anônimo disse...

A justiça é cega e vendada (vendida, talvez), por isso o único código que entende é braile. Talvez isso jutifique tudo o que seu texto nos fala.

Lamentável é pouco.

Beijo recitado