07 dezembro 2014

Almeidinha - o herói de paletó



Um folhetim burocrático

04 - Almeidinha e a santa missa


                   Acho que já disse aqui: sou católico praticante. Não faço nada aos domingos antes de ir à missa. Nem café eu tomo. Minha senhora também é católica, mas bem menos fervorosa do que eu. Só uma vez perdida é que se lembra de ir na missa. É que eu fui criado dentro de igreja. Minha mãe ia todas as noites rezar o terço com as amigas e sempre me levava junto. Eu era bonzinho, ia sem reclamar, diferente dos meus irmãos que fugiam perto da hora do terço começar. Quando fiquei mais crescidinho, o padre me escolheu para ser coroinha. Eu me achava importante com aquela bata alvíssima, enchendo a igreja com a fumaça branca do incenso no turíbulo.
                   Só tenho pena mesmo de não ter pegado o tempo da missa em latim. Minha mãe dizia que era uma coisa linda, parecia que Deus estava falando diretamente com os devotos. Como lembrança de minha mãe, guardo o seu velho missal escrito em latim e fico pensando como devia ser bom responder a missa na própria língua de Deus.
                   Hoje não tem mais latim, nem turíbulo, nem coroinha. A missa virou uma esculhambação, o povo fazendo zoada com umas músicas parecidas com pagode e sertanejo. E tome de bater palmas e dar vivas a Jesus, como se ele fosse um artista de televisão.
                   Teve um tempo que minha mãe inventou que eu devia ir estudar no seminário. Tudo o que pedia a Deus era ter um filho padre. Chegou até a falar com Padre Guido, mas ele disse que ninguém ia mais pra seminário não. Quem quisesse ser padre tinha que fazer vestibular para o curso de teologia. Minha mãe não gostou, pois ela queria mesmo era me ver vestido de batina, trancado no seminário, longe dos pecados do mundo. Nunca mais tocou no assunto. Eu não gostei nem desgostei. Ia ser meio ruim ter que estudar aquilo tudo que se ensinava nos seminários. Minha cabeça sempre foi meio fraca e eu não queria deixar de usar paletó.
                   Hoje, sempre que Padre Guido me pede, eu ajudo ele a dar a comunhão aos fiéis. Padre Guido já devia ter se aposentado, mas com essa falta de vocações, não tem quem substitua ele na paróquia. Ele às vezes até fica zangado comigo, dizendo que eu bem que devia ter virado padre, em vez de ter me casado com uma mulher que nem era lá muito católica.
                   Desde esse dia eu fico insistindo para minha senhora ir à missa comigo. Tem domingo que ela vai, mas tem domingo que não vai. Diz que prefere ir à praia com a amigas no carro do irmão da LIli. Eu me conformo, pois não gosto de contrariá-la. Tem sempre o risco de passar uma semana dormindo no sofá da sala.
                   Mesmo quando ela vai na missa, sempre arranja um jeito de me tirar do sério. Para não perder muito tempo, ela já vai com o biquíni por baixo da roupa. E teima em usar uma blusa bem decotada, que puxa como um ímã os olhos dos homens. Uma vez eu reclamei e ela respondeu que é que tem? O que é bonito é pra ser mostrado.

                   Nesse dia mesmo o Padre Guido me chamou pra ajudar na hora da comunhão. Ele entregava as hóstias para os fiéis e eu botava a salva de prata para recolher as migalhas. Para cada hóstia entregue, Padre Guido dizia, quase balbuciando: corpo de Cristo. Mas não sei o que deu nele quando minha senhora se ajoelhou para receber a hóstia. Com os olhos arregalados em cima do decote dela, falou com a voz trêmula: Cristo, que corpo... Deve ser a idade.

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