Certo dia, num encontro festivo, me pediram para falar sobre os amigos e eu disse que os amigos serviam para que a gente pudesse viver simultaneamente outras vidas. E o que eu disse sobre os amigos, repito agora em relação aos livros. Penso nisto porque acabei de ler um dos livros mais belos que já me caíram nas mãos. Chama-se “A trégua”, escrito pelo uruguaio Mario Benedetti.
Fazia tempo que um livro não me puxava para dentro dele e me arrastava sofregamente da primeira à última pagina. Uma história aparentemente simples de um viúvo prestes a se aposentar que se apaixona por uma colega de trabalho com idade de ser sua filha. Acontece que esta história banal é escrita por um dos maiores escritores latino-americanos. E a cada linha do texto somos levados a experimentar certos sentimentos que aparentemente não são nossos, a sentir certas saudades, conviver com um mal-estar que não desconfiávamos existir dentro de nós.
Não concordo com certos escritores quando afirmam que a literatura não serve pra nada. Ela pode não ter valor quando se propõe como mercadoria ou instrumento de persuasão ideológica. Mas a boa literatura tem o poder de nos fazer viver outras vidas, habitar outros mundos, existir em outras eras.
Quando olho de frente para as estantes de uma biblioteca, entro numa espécie de transe, pois me sinto tentado a experimentar de uma só vez todas as possibilidades de existência que cada um daqueles livros me propõe. Os que já conheço, me convidam para uma visitinha para rever alguma cena, ouvir de novo as antigas conversas. Os que não conheço, exigem que os tome nas mãos e os folheie. Querem se exibir, mostrar suas paisagens, me impor novas palavras, me sujeitar a novos sentimentos.
A única solidão saudável é aquela que vivemos num canto com um livro. E a melhor coisa a fazer em seguida é procurar os amigos para falar de mais essa vida que acabamos de viver.
Um comentário:
Lindo! e verdade verdadeira!
Já vou procurar ler a trégua! obrigada.
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