17 novembro 2008

A vida depois da morte

Para meu irmão Othon Celso

Depois de bem lacrada a sepultura, esgotadas todas as lágrimas possíveis, os que singraram o tempo espesso da vigília têm pressa em sair dali. Cansados da roda em volta do esquife, anseiam pela intimidade de uma mesa, em torno da qual se quer comer e beber em memória do morto.

Pouco importa o sabor da comida improvisada. O que se quer é ouvir as vozes íntimas e em cada uma delas reconhecer um pouco da voz ausente. Pouco a pouco, a conversa vai se afastando das coisas da morte. A gravidade da falta vai aos poucos sendo vencida pelo relato dos pequenos casos, a lembrança dos cacoetes, das frases preferidas que não mais se repetirão.

A trama das palavras realiza uma vez mais o seu milagre. Cada relato revela uma pessoa diferente, vista como pai, avô, irmão, sogro, amigo. O que era um, agora se torna múltiplo. Revive de formas diversas na memória e no coração de cada comensal.

Desfeita a mesa, começa um novo tempo. Lentamente, a densidade da perda irá cedendo espaço para o sentimento leve da presença do ente amado dentro de nós. E desta forma ele partilhará conosco das infinitas surpresas que a vida nos reserva. Esta é a prova da vida após a morte.

5 comentários:

Anônimo disse...

Meu tio ...
meu tio!

Que coisa linda! Que coisa triste!
São momentos como esse que não deixão minha alma sair de perto da sua!
Que lindas palavras, que lição, que vida!!
Eu sinto muito a partida do tio Celso.
Espero que seja possível deixar aqui meus sentimentos de perdas para com a família dele.

Tio como pode? Como pode ser isso?
Essa coisa de extrair sempre.
Essa coisa de tirar o sumo da vida em qualquer tempo em qualquer lugar,como pode isso?
Que espírito é esse que não deixa as mãos e mente parada daqueles que estão sempre as utilizando junto a uma "pena"?
Gostaria verdadeiramente de saber.
Porque um matemático está sempre contando, porquer um filósofo está sempre relativisando, porque os astônomos estão sempre de olhos para o alto? Porque os tagarelas estão sempre perguntando...(bem assim como eu!)
Foça tio!
Porquê?

Juliêta Barbosa disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Juliêta Barbosa disse...

Ronaldo,
A delicadeza da poesia trouxe de volta à vida, quem realmente fez diferença em seu coração. E é dentro dele que Othon Celso continuará morando daqui por diante. E por uma escolha do amor, ele nunca morrerá! Força!

Madame Li Li disse...

Olhei os posts por acaso procurando um e-mail a pedido de um filho na sua caixa.
Quanto delicadeza e quanta tristeza.Quase dá para tocar.
Lembrei de uma citação do livro que acabei de ler ontem que tem o sekguinte sentido: enquanto alguém lembrar de nós estaremos vivos( A Sombra do Vento).
Teu irmão vive, por ser lembrado com tanto carinho.

Abraços

VaneideDelmiro disse...

"A trama das palavras realiza mais uma vez o seu milagre". De fato. E que milagre extrair da experiência "morte, a beleza que houve" e há na vida.
Meus sentimentos.
Abraço!