Ainda tem gente que continua mantendo opiniões conclusivas sobre o caráter das pessoas, como se o ser humano fosse uma tela uniforme e monocromática. O exemplo do ladrão de carro de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, pode nos ensinar muito sobre a cordilheira multicolorida que constitui cada um de nós.
Depois de furtar um carro numa madrugada, o ladrão descobriu, quarenta minutos depois, que uma criança dormia no banco de trás. Levou o carro para os fundos de um posto de gasolina e telefonou indignado para o plantonista do 190: “Vou ser sincero: eu roubei um carro que tinha um piazinho dentro e eu não vi. Manda uma viatura lá pegar o guri e avisa ao filho da puta do pai dele para não fazer mais isso. Avisa que, da próxima vez que eu pegar esse auto e tiver o piá lá, eu mato ele.”
Por conta da violência generalizada com que nos habituamos a conviver, seria muito mais congruente esperar que o ladrão abandonasse a criança em um lugar qualquer e mantivesse a posse do carro. Acontece que ele é ladrão, mas provavelmente é um bom pai. E foi o sentimento de revolta pelo descuido com a criança que o fez abdicar do fruto do seu trabalho. E a muito mais: ter de se denunciar parcialmente como ladrão à própria polícia.
Alguns psicólogos chamam de “dissonância cognitiva” a este tipo de ambigüidade, como se cada um de nós estivesse condenado a um comportamento coerente, lógico, linear. Na verdade, todos nós somos muito parecidos com o bom ladrão de Passo Fundo. Roubamos e amamos, muitas vezes à mesma pessoa, sem nenhuma obrigatoriedade de uma dessas ações anular o efeito da outra.
Isto fica bem claro no final do telefonema do ladrão: a sua indignação é tão grande quanto o seu amor à profissão. Vai continuar roubando, sim. Mas o suposto pai da criança está avisado: se esquecer mais uma vez o piá no carro, morre.
Depois de furtar um carro numa madrugada, o ladrão descobriu, quarenta minutos depois, que uma criança dormia no banco de trás. Levou o carro para os fundos de um posto de gasolina e telefonou indignado para o plantonista do 190: “Vou ser sincero: eu roubei um carro que tinha um piazinho dentro e eu não vi. Manda uma viatura lá pegar o guri e avisa ao filho da puta do pai dele para não fazer mais isso. Avisa que, da próxima vez que eu pegar esse auto e tiver o piá lá, eu mato ele.”
Por conta da violência generalizada com que nos habituamos a conviver, seria muito mais congruente esperar que o ladrão abandonasse a criança em um lugar qualquer e mantivesse a posse do carro. Acontece que ele é ladrão, mas provavelmente é um bom pai. E foi o sentimento de revolta pelo descuido com a criança que o fez abdicar do fruto do seu trabalho. E a muito mais: ter de se denunciar parcialmente como ladrão à própria polícia.
Alguns psicólogos chamam de “dissonância cognitiva” a este tipo de ambigüidade, como se cada um de nós estivesse condenado a um comportamento coerente, lógico, linear. Na verdade, todos nós somos muito parecidos com o bom ladrão de Passo Fundo. Roubamos e amamos, muitas vezes à mesma pessoa, sem nenhuma obrigatoriedade de uma dessas ações anular o efeito da outra.
Isto fica bem claro no final do telefonema do ladrão: a sua indignação é tão grande quanto o seu amor à profissão. Vai continuar roubando, sim. Mas o suposto pai da criança está avisado: se esquecer mais uma vez o piá no carro, morre.
2 comentários:
Um ladrão com humanidade... nem sempre o crime corrpompe por completo os seres humanos, acho incrível isso.
Parabéns pelo texto.
Ronaldo seu texto nos faz confrontar as nossas verdades absolutas. Bela contribuição para um novo pensar sob um olhar mais humano. Escreva mais vezes, os seus leitores agradecem.
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