27 setembro 2008

Entre a Lapa e o Abasto






Estive na Lapa um dia destes. Quer dizer, não estive na Lapa. Pois a bem dizer, a Lapa não existe. O lugar onde estive é um arremedo daquilo que um dia foi a Lapa. Gastaram-se fortunas para fazer com que os bares ficassem parecidos com os botequins de antigamente. Um considerável aparato policial garante a segurança do faz de conta da classe média que devaneia procurando dar de cara com Madame Satã, ou sentar na mesma mesa de Noel Rosa e Araci de Almeida.

Um dia destes estive em Abasto. Da mesma forma, não estive em Abasto. Assim como a Lapa, o velho reduto portenho do tango, com seus becos, suas putas e cafetões foi maquiado para receber a classe média. Seu belo e imponente mercado público foi transformado em um shopping de luxo, sob o olhar complacente de uma estátua de Gardel.

Lapa e Abasto retratam muito bem o destino de muitos lugares do mundo. Transformaram-se em não-lugares. Ninguém mais mora lá. As pessoas passam, olham, compram, comem, bebem e vão embora.

O não-lugar foi o que restou para nós, a classe média da contemporaneidade. Vivemos nostálgicos de antigos lugares que não nos pertenceram. E os lugares que nos pertenceram viraram, quase todos, não-lugares. A casa em que nasci, a rua em que cresci, o colégio em que estudei, tudo isso desapareceu ou se transformou em ruína, supermercado ou templo evangélico.

Lapa, Abasto, Cidade Baixa, Recife Antigo, Centro Histórico de João Pessoa. São muitos os não-lugares que a pós-modernidade nos oferece na impossibilidade de nos preservar uma continuidade histórica.
Estive na Lapa, estive no Abasto. Pisei o mesmo chão que os antigos pisaram. Dobrei as mesmas esquinas que os bambas dobraram. Mas a linha do tempo se partiu. Entre mim, Gardel e Noel existe um abismo que a saudade não pode transpor. Melancolia é o nome deste abismo.

Um comentário:

Juliêta Barbosa disse...

Ronaldo sei bem o que é essa doce melancolia que lhe invade a alma. Vivo passeando por ela, em dias em que as pessoas e os lugares comuns me convidam a fazer uso das minhas lembranças. O meu não-lugar é, hoje, um espaço aberto em meu coração para abrigar as minhas saudades esquecidas. Aqui, a modernidade não consegue alcançar...