10 dezembro 2007

Grandes são os desertos






Para Maria Valéria Rezende.

“Grandes são os desertos, e tudo é deserto.”
Transborda para o deserto argelino a voz do almuadem que soa no alto da torre de Beni-Isguen chamando os fiéis para a primeira oração do dia: Allahu akbar. E todos saem dos seus leitos para reafirmar que não há outro Deus senão Alá. E Maomé é seu único profeta.
“Grandes são os desertos e as almas desertas e grandes – desertas porque não passa por elas senão elas mesmas. Grandes porque ali se vê tudo, e tudo morreu.”
Resvala para além das serras que cercam o deserto cinzento a voz do vaqueiro. E o seu canto não tem palavras, pois não canta para os homens. É para os bois, as vacas, os garrotes e os bezerros que ele lança o seu encantamento. E como Deus também não precisa de palavras, toma para si como um louvor a melodia que ondula até os céus. E de muito acima das serras, Deus contempla desolado aquela vastidão deserta, incrédulo de que a tenha criado. As almas que ali habitam são desertas de esperança. E são grandes apenas porque guardam este grande deserto dentro delas.
Por mais que o diabo o tente, Deus se nega a fazer qualquer milagre que mude a cor deste deserto. Tentando mais uma vez escrever certo por linhas tortas, manda vir do outro deserto, onde é louvado como Alá, uma gota de esperança antes que venham as chuvas. E a voz do almuadem entrega à voz do vaqueiro a boa nova de que, em breve, ali chegará uma mulher para tornar menos árida aquela terra.

imagens obtidas em:
gooutside.terra.com.br/.../vaivirarmar1_90.jpg

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