16 dezembro 2007

Albatroz



Numa oficina de leitura, o menino viu pela primeira vez a palavra albatroz. Ela estava escrita no poema Navio Negreiros, de Castro Alves. O menino perguntou o que era albatroz e ficou sabendo que é um pássaro que vive no mar, junto aos navios. E que é desengonçado quando está no chão e muito desastrado quando pousa ou levanta vôo. Mas quando voa, o albatroz é uma das aves mais belas. É como os poetas, ouviu o menino. Desastrados na vida cotidiana e belos quando planam com as asas das palavras.
Alguns dias depois, o menino diz que viu um albatroz na televisão. Não o vira voando, mas parado no chão. Estava excitado com o aprendizado. A partir daí, toda a sua inibição com a leitura desapareceu e ele se apropriou dos versos em que o poeta pede: “albatroz, albatroz, dá-me tuas asas”.
A experiência do albatroz me fez lembrar das muitas palavras que conheci antes das coisas que nomeavam. E muitas vezes o conhecimento da coisa fez perder o encanto da palavra. Foi muito grande a decepção que tive quando soube do verdadeiro significado da palavra corolário. A coroa colorida que imaginava desapareceu para dar lugar a uma decorrência lógica.
Felizmente, não foi isso que aconteceu com o albatroz. A coisa vista reafirmou a beleza da palavra. Mais felizmente ainda, não foi só essa palavra, nem só este menino que se encontraram na oficina de leitura. São muitos os meninos e meninas, são muitas oficinas espalhadas pelas periferias das cidades. E precisam ser muitas, pois são muitas as palavras que voam por aí, procurando lugar para pousar. Primeiro nos olhos, depois nas almas dos meninos e meninas, ávidos de palavras.
Vejo cada jovem destes como um albatroz. Desengonçado no trato com o mundo, desajeitado nas tentativas de decolagem, mas belo e gracioso quando alça vôo com as asas mágicas da palavra.

Um comentário:

Anônimo disse...

Somente uma sensibilidade e uma inteligência emocional e racional muito acentuada para perceber a dimensão terna de um aspecto do cotidiano sempre tão rijo... e com tamanho lirismo, provocando um enorme prazer estético em quem tem o privilégio de desfrutar um texto como este.

Um grande abraço, amigo. Feliz Natal pra tu, pra Glorinha e pro resto da família. Tenho muito orgulho de ser amigo de um cara maravilhoso como vc.
um beijão!
Lau

PS. Um 2008 com muita poesia, para todos nós.