12 novembro 2012

Desastre matinal




A manhã deslizava em paz, com sua luz, seus cheiros e sons de costume. O ronco do liquidificador anunciava o suco generoso que logo teríamos sobre a mesa. Do fogão, o pão assado mandava o seu recado: chegaria em breve, logo depois das frutas.  

         Como todo bom desastre, este não se anunciou. Explodiu de repente no chão da sala, cobrindo um largo espaço com uma mancha avermelhada. De uma forma inexplicável, o fundo da jarra separou-se do bojo num corte quase perfeito, deixando vazar num jato todo o suco que se espalhou sobre o piso.


         A partir daí, a manhã não foi mais a mesma. O inusitado quebrou sua previsibilidade, exigindo ações estranhas aos ritos matinais. Levantar da mesa, conferir o prejuízo, confortar a funcionária zelosa das suas qualidades em combinar as frutas dos sucos.  Depois, ficar matutando sobre os mistérios da vida, pois nunca se poderia imaginar que uma jarra de vidro tão forte pudesse nos faltar de forma tão abrupta num momento em que mais precisávamos dela.

         Nunca se sabe os rumos que pode tomar uma manhã. Tardes e noites também são imprevisíveis. Por mais que tenhamos cuidado para que o bonde ande em cima dos trilhos, pequenos descarrilamentos sempre podem alterar nossa rotina. Claro que não estou falando de grandes desastres, catástrofes climáticas, tsunamis econômicos, julgamentos do STF. Falo de pequenas coisas aterradoras, como a empregada faltar na segunda-feira, o gás acabar na hora de acender o forno para o jantar da sexta-feira, o parente chato avisar que vai chegar com a família para o feriadão.

         Mas é sempre reconfortante lembrar que há males que vêm para o bem. A falta da empregada pode fazer você achar aquele documento escondido nas dobras do sofá da sala. A falta de gás pode sugerir uma receita nova de salada. O parente chato pode ser um bom encanador e livrar você daquele eterno vazamento no banheiro. No caso da jarra quebrada, tive a grande vantagem de me livrar daquele gostinho de terra que sempre fica na boca depois de um copo de suco de beterraba.    

Um comentário:

Angela disse...

Uma delícia! não suco, mas o texto todo.