21 novembro 2012

Ao pó



Tu és pó e ao pó voltarás. Disse isto em frente ao espelho da penteadeira, já com a esponja de pó de arroz pronta para passar no rosto. Demorou-se um pouco com a mão suspensa, resignada com o tempo que se recusava a entrar também em suspensão. 
Quem disse que não se pode ver o tempo? Ela o via ali, em sua frente, refletido no espelho oval do móvel antigo. O tempo tinha a sua cara. Ali estava escrito o passar das horas, dias, anos, décadas de uma vida às vezes bem vivida. Ali também estavam os traços de outras vidas, herança confirmada pelos álbuns de fotografia. 
Olhava o tempo em sua frente sem remorsos. Tentou lutar contra ele e perdeu. Gastou fortunas com cremes milagrosos. Desperdiçou safras de pepino em rodelas. Paralisou-se com litros de botox. Chegou até pegar o número do cirurgião plástico. Mas não passou daí. 
Olhava agora de frente para o tempo. Até gostava um pouco do que via. Cada marca daquela era uma letra do poema que o tempo escrevera no seu rosto. Não queria apagá-lo, voltar a ser uma folha em branco. 
O que não precisava era que o poema fosse exposto nos mínimos detalhes aos transeuntes. Um pouco de mistério nunca fez mal a ninguém. E para isso tinha o bom e velho pó de arroz.lista de emails

Este conto faz parte do meu novo livro O baú do anão que será lançado na quinta-feira, 6 de dezembro, a partir das 19h30, no Terraço Brasil, praia de
Cabo branco, João `Pessoa - PB

2 comentários:

Unknown disse...

Se nada me atrapalhar estarei lá.
Sucesso!!!!!
Beijos!!

Cássio disse...

Belo conto, Ronaldo. A maioria dos contos do seu novo livro são textos mais curtos como esse? É sempre mais difícil falar muito com poucas palavras...