Os cegos nos causam compaixão pelo tanto de beleza que supomos que lhes escapa. Os surdos mudos nos põem nos limites da nossa própria incomunicabilidade. Nada sabemos das pessoas que despossuem o tato. Mas existem dois sentidos que vez por outra nos privamos deles, o que nos faz perder, por um tempo, a graça de viver. Estou falando do olfato e do paladar, dois bens que nos fogem tão logo nos assola uma gripe bem fornida.
Já tive em casa uma cozinheira que não tinha olfato. Não sei se ela também não tinha paladar. Mas ficava muito intrigado em saber como ela acertava nos temperos. Ninguém até hoje conseguiu fazer uma fritura como ela.
Não sei nada a respeito das pessoas que não têm olfato ou paladar. Não sei nem se existe uma nomenclatura específica para estas patologias e estou com preguiça de consultar a wikipedia. Mas sei muito bem a falta que fazem estes sentidos. Estou gripado há mais de uma semana.
Não existe nada mais irritante do que você por uma fruta na boca e não sentir o seu sabor. Comer uma pizza tem a mesma graça que mastigar um papelão. Um gole de vinho equivale a um copo de água morna.
Quanto aos cheiros, parece que o mundo perdeu o viço, a natureza abandonou o cio. O caldeirão, que antes anunciava o feijão gordo dos sábados, fumega sem que a boca nos afogue de saliva. Perdem-se os cheiros doces da noite, inúteis os jasmins e as roseiras.
Mas, como já disse, minha gripe já passa de uma semana. Agora mesmo estou tomando um vinho e já descubro o grau do seu tanino. Pude sentir uma pequena diferença entre os sabores das frutas do café da manhã. Aos poucos, a vida vai voltando ao paladar e ao olfato. E mesmo que a idade já me leve um pouco da audição e um muito da visão, sou grato à vida por voltar pra mim com seus cheiros e suas catingas, com seus doces e seus amargos.
Um comentário:
como é bom poder dar graças pelo que é simples e corriqueiro e nem lembramos. Gostei muito desta sua mestra gripe!
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