Existe um personagem invisível e malévolo que exerce uma única e enervante função: acabar com os encontros entre as pessoas pelo esgotamento do tempo. Este desmancha-prazeres universal responde pelo nome de Adiantado da Hora.
Desde crianças já somos atormentados por este espectro. No melhor da brincadeira, ele sempre mandava um representante de maior idade dizer que estava na hora de dormir. Já um pouco mais crescidos, quando os casais estão no ponto mais alto da refrega, ele sempre vem lembrar a hora da namorada voltar para casa. Mais tarde, é sua voz interna que nos lembra que o sol está nascendo e o trabalho nos espera daqui a poucas horas. É ele também que faz o outro virar de lado na cama com um bocejo, alegando o monte de coisas a fazer de manhã cedo.
Passei muito tempo sendo perseguido por este personagem, sem saber o seu nome. Só quando comecei a participar de seminários e congressos acadêmicos é que me foi revelado que as discussões finais teriam que ser abreviadas devido ao Adiantado da Hora. Foi quando me dei conta de que o funesto pé frio tinha acompanhado toda a minha existência, entrado na universidade comigo, atazanado meus estudos da graduação ao doutorado e agora me impedia de expor com clareza meus obtusos pensamentos.
Hoje, o Adiantado da Hora já não me causa aflição. Aprendi que nunca chegarei antes dele em canto algum. Aprendi que as coisas podem muito bem ficar inacabadas. Outros as terminarão ou as esquecerão para sempre. Aprendi a rir desse espectro que me fez apressar o passo, deixando de ver e viver as coisas boas que se arrastam lentas. Hoje, é um seu parente mais velho que me vem afligir os dias: o Adiantado do Tempo. Não sou Manoel Bandeira, por isso ainda me resta lavrar o campo, limpar a casa e por a mesa com cada coisa em seu lugar, antes que chegue a indesejada das gentes.
Um comentário:
bonito!
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