28 setembro 2011

Poeira


Juro que qualquer dia desses eu crio juízo. Mas ainda não foi desta vez. Caí de novo em tentação e comecei uma nova reforma na casa. Coisa pouca, juro. Tinha um quarto praticamente sem uso, que depois de abrigar uns sobrinhos itinerantes, ficou conhecido como “o quarto de nada”. Servia apenas para entulhar os troços rejeitados pelos outros cômodos. O escritório não queria uns livros, manda pro quarto de nada. Aquela embalagem bonita que dá pena jogar fora, deixa no quarto de nada. Os brinquedos quebrados das netas, os colchões avulsos das visitas, as caixas de jogos antigos dos filhos, bota ali, no quarto de nada.


Decisão tomada, pedreiros contratados, começa a demolição de um banheiro inútil, propiciando uma janela para refrescar a cozinha. De quebra, a abertura de uns vãos na parede que separa o quarto do pergolado. Vai ficar um lugar ideal para as brincadeiras das netas.


Tenho uma espécie de tara por aquele barulho ritmado do martelo contra a talhadeira. Morro de inveja quando o escuto na casa de um vizinho. Na minha casa, então, o efeito se aproxima de um orgasmo.


Mas como nada é perfeito, tem o problema da poeira. Começa com um pequeno ardor nos olhos. Depois você sente uma leve aspereza nos dedos e só aí é que nota um certo tom opaco na superfície dos móveis. Vai pegar um livro e percebe que está entranhado de um pó que deixa uma sensação de sujo nas mãos. Os utensílios da cozinha, os sofás da sala, os lençóis das camas, janelas, paredes, chão, tudo vai ficando gradativamente coberto por aquele pó que gruda nas mãos, se entranha na roupa e nos faz lavar o rosto a cada quinze minutos.


Aqui estou eu, com os olhos ardendo, um pigarro na garganta, um chiado no peito e uma vontade delirante de ir para o meu apartamento em Paris (se eu tivesse um apartamento em Paris) e só voltar depois de o mordomo telefonar (se eu tivesse um mordomo) anunciando o fim da reforma.


É um vício, eu sei. Já me rendeu até um apelido entre os mais íntimos: o rei do puxadinho. Mas qualquer dia desses eu me curo. E em vez de gastar dinheiro com reformas, compro um apartamento em Paris.

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