15 junho 2011

Thesouro


Ela chegou na minha casa antes de mim. Desde que me entendo de gente que os dezoito volumes da coleção do “Thesouro da juventude” me olham do alto da estante do meu pai. Sempre pensei que ela ficaria, depois de mim, na estante da casa de um dos meus filhos. Mas foi com o maior pesar que descobri que os volumes de capa dura azul e miolo de papel couchê estavam cobertos de mofo. Quase todas as páginas estavam úmidas, algumas já se desmanchando ao mais leve toque.


Vocês podem muito bem imaginar a minha desolação. Cheguei a pensar em me desfazer dela. Não jogando-a fora, simplesmente. Haveria de ser com um ritual crematório digno da sua importância. Mas não tive coragem. Sob as ordens de minha mulher, duas boas samaritanas se dedicaram ao trabalho de expô-las ao sol para depois limpar todas as páginas, uma a uma, com um pano embebido em vinagre. Era como assistir o lento trabalho de uma equipe médica contra a morte de um ente querido.

Os livros ainda estão lá, no terraço da frente, arrumados em duas bacias de plástico para receber os raios generosos que o sol ofertou como uma trégua nesses dias chuvosos e friorentos. Em breve, estarão de volta ao seu lugar na estante do meu escritório. E de lá continuarão me olhando, saudosos dos meus olhos e mãos de menino que neles iam encontrar as respostas para minhas primeiras perguntas e os primeiros rumores de beleza e sabedoria que iria continuar a buscar vida a fora.

Talvez suas páginas nunca mais sejam visitadas, nem mesmo por mim. Mas é fundamental que esses livros continuem ali, me olhando do alto. Pois de toda a multidão que me guarda as costas e os flancos, eles foram os primeiros a mostrar a minha pequenez frente ao conhecimento do mundo. Muito mais que isto, eles servem para me lembrar que o mundo ainda tem muito o que mostrar aos meus antigos olhos de menino.

Um comentário:

Angela disse...

Alguns comentários.
O texto me toca, pois se tenho aflição com coisas que se deterioram, livros então... nem me fale.
Outra ideia, agora prática: colocar aqueles saquinhos de sílica que absorvem umidade, sobre os livros.
Uma terceira, mais filosófica - dizem os taoistas que o Livro do I Ching nunca deve ficar acima da altura de seu consultor. A sabedoria também não deve ser exaltada além da conta. Mesmo os tesouros da juventude, que continuam a superar nossa experiencia já nada juvenil.:D