A memória brinca de se esconder comigo. Certos fatos correm de mim agora, e só mais tarde ou nunca mais mostram sua cara. Esta semana mesmo, a memória me pregou uma peça. O escritor Nilto Maciel, um caro amigo virtual, mandou um e-mail dizendo que tinha postado uma crônica minha no seu blog. Fui lá conferir e tomei um susto, pois o texto estava ilustrado com uma foto da pequena Ana Torrent no filme “Cria Cuervos...”, do Carlos Saura. Intrigado, perguntei ao Nilto se ele era algum médium sensitivo pitonisa, ou se tinha algum informante dentro da minha casa, pois de alguma forma ele sabia que eu tinha comentado o “Cria cuervos...” no sábado passado, no cine-clube do Zarinha Centro Cultural. O Nilto não demorou muito para desfazer minhas suspeitas sobrenaturais. A informação sobre o filme estava justamente na minha crônica que ele havia publicado. Eu simplesmente tinha me esquecido deste detalhe.
É a idade. Só pode ser a idade, respondi para o Nilto. E acrescento aqui: para envelhecer sem muita angústia, é preciso aprender a brincar com a memória. Se sabemos que ela esconde os fatos mais recentes, podemos aprender a registrá-los de alguma forma. Ter uma agenda facilita muito. Meu Outlook me avisa com uma semana de antecedência os compromissos mais importantes. O risco é esquecer de anotá-los.
Mas se a memória falha nos fatos mais recentes, ela fica mais colorida com as coisas mais antigas. Por uma razão muito simples: a maioria dessas lembranças são invenções, brincadeiras da memória para nos esconder também o que vivemos de amargo e doloroso.
Envelhecer é aprender a brincar de esconde-esconde com as lembranças. Mesmo que algumas vezes seja uma brincadeira de mau-gosto. Mas aí já não é culpa da memória. Tem uma coisa a mais nos roendo por dentro. Daí a memória não quer mais brincar e vai embora.
Um comentário:
E não será assim que vamos e voltamos pela vida afora?
Por vezes esquecemos, em outras lembramos mais do que desejamos e ainda, algumas vezes inventamos, ou será lembramos do que ainda vai ser?
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