14 junho 2009

Janelas de apartamento


Podem me acusar de voyeurismo, mas tem uma coisa que gosto muito de fazer: olhar janela de apartamento. Gosto de imaginar a vida daquelas pessoas, pensar como foi ou será o seu dia, o que estão comendo à mesa, o que conversam no terraço.
Em frente a um hotel em que me hospedava com frequência, tinha um prédio de pequenos apartamentos, desses de quarto e sala. Bem em frente ao meu quarto, morava uma mulher que não parava quieta. Ia da sala para o quarto, voltava, perdia-se lá por dentro para aparecer de novo, como um bicho na jaula. E minha curiosidade turbinava, pois eu só conseguia vê-la da cintura pra baixo. Tinha pena dela, mesmo sem nunca saber quem era.

Para mim, a melhor hora de espiar apartamentos é no finzinho da tarde. Me dá uma melancolia, uma vontade de ir esperar as pessoas que vão chegar do trabalho ou da escola, perguntar como foi o dia, ver quem chega com o pão para o jantar. Também gostaria de chegar de repente na porta dos que moram sozinhos, tocar a campainha e entrar para uma visita rápida. Talvez ficando para um café.

Se quiserem ainda me acusar de voyeur, saibam que estou muito bem acompanhado neste vício. Vejam, por exemplo, a letra da música abaixo, de autoria de Renato Rocha, cantada pelo MPB-4. É uma coisa linda. Assim que conseguir baixar a melodia, vou querer repartir aqui com vocês.


Janela de Apartamento

Homem entrando calorento afrouxando o colarinho
A mulher vem lá de dentro: um abraço um beijinho.
Janela de apartamento parece estória em quadrinhos

Lá naquela um cachorrinho, acho que fica sozinho,
a maior parte do tempo
Do lado mora um velhinho que nunca recebe gente
Acho que vive somente pra cuidar dos passarinhos.

O jantar está saindo ali, naquele do centro.
Todos comendo assistindo a novela do momento.
Em cima do cachorinho vagou um a pouco tempo.
Ali morava um brotinho que pra todos os vizinhos
era um acontecimento.
Saudades daquele tempo, aluga-se apartamento.

O homem do colarinho foi na janela um momento.
A mulher foi lá pra dentro, o casal tem um filhinho.
E o velhote sonolento, que dorme com os passarinhos,
fecha a cortina um pouquinho, tira a gaiola do vento,
apaga a luz do aposento.
Janela de apartamento parece estória em quadrinhos.


Ilustração: Óleo de Jean François Millet

2 comentários:

Bonifacio Segundo disse...

Que bom que não estou só nessa minha mania!
:)

Juliêta Barbosa disse...

Ronaldo,

No exercício da sua profissão você encontrou muitas janelas por abrir... E uma vez abertas,quem sabe quantas vidas não salvou? Talvez venha daí, essa mistura de voyeur com a do bom samaritano.