Era véspera de ano novo e eu estava na fila do supermercado. Como sempre, nestes momentos, me distraio escutando o que as pessoas falam ao redor. Mas não era motivo de distração o que ouvi de um senhora atrás de mim: Ai meu Deus, daqui a pouco vai começar a barulheira. Todas as casas da minha rua botam o som nas alturas. Eu não consigo dormir. Fico com uma dor na nuca e uma vontade enorme de vomitar.
Dor e sofrimento. Eis o resultado cabal do desvario a que chegou o uso irresponsável da parafernália sonora ao alcance de qualquer orçamento.
Mas o sofrimento pelo uso do som alto não vitima apenas aos que o escutam involuntariamente. Prestemos atenção aos seus executores. Quando carregam o som na carroceria de suas camionetes, geralmente estão sós, os olhos perdidos muito além do pára-brisa. Quando, em grupo, abrem portas e malas de seus carros na frente de um bar, balançam-se como autômatos, geralmente sem qualquer companhia feminina. Em casa, são deixados a sós na sala pelo resto da família.
É preciso alguém estar muito mal do espírito para infligir a si mesmo, por horas a fio, tamanha tortura. É necessário também uma boa dose de ódio aos seus semelhantes para atacá-los tão agressivamente.
Isto sem falar na qualidade da música, geralmente reduzida a um ritmo primitivo e repetitivo e, quando existe, a uma letra simplória e pornográfica.
Lembrei-me da mulher do supermercado quando, na minha casa de Cabedelo, atravessei a noite do ano novo sob o fogo cruzado de duas baterias sonoropornográficas. Começaram na tarde do 31 e só findaram no começo da noite do dia primeiro. Foram mais de vinte e quatro horas de barbárie.
Exasperado, telefonei para o plantão de polícia para escutar de um sonolento e simpático atendente que o problema não era mais deles. Deu-me o número da Sudema e se despediu com um certo tom de dever cumprido. Disquei para o 88391909 esperando que alguém viesse em socorro do meu meio-ambiente auditivo. Uma voz muito minha conhecida me informou que o número discado estava desligado e não tinha caixa postal.
Desamparado pelo poder público, fui ver o que podia fazer com meu pobre poder pessoal. Me aproximei da casa barulhenta, mas não tive coragem de falar com ninguém. Era um pequeno grupo familiar, com algumas crianças desoladas pelos cantos e um punhado de adultos bêbados de olhares perdidos e passos autômatos. Um quadro mórbido de solidão e sofrimento.
Os problemas causados pelo uso inadequado dos aparelhos de som já se caracterizam como epidêmicos. São, portanto, um caso de saúde pública. Gostaria de fazer alguma coisa mais efetiva para combater esta epidemia. Aguardo sugestões.
Ronaldo Monte
Imagem obtida em:paginaemconstrucao.blogspot.com
Dor e sofrimento. Eis o resultado cabal do desvario a que chegou o uso irresponsável da parafernália sonora ao alcance de qualquer orçamento.
Mas o sofrimento pelo uso do som alto não vitima apenas aos que o escutam involuntariamente. Prestemos atenção aos seus executores. Quando carregam o som na carroceria de suas camionetes, geralmente estão sós, os olhos perdidos muito além do pára-brisa. Quando, em grupo, abrem portas e malas de seus carros na frente de um bar, balançam-se como autômatos, geralmente sem qualquer companhia feminina. Em casa, são deixados a sós na sala pelo resto da família.
É preciso alguém estar muito mal do espírito para infligir a si mesmo, por horas a fio, tamanha tortura. É necessário também uma boa dose de ódio aos seus semelhantes para atacá-los tão agressivamente.
Isto sem falar na qualidade da música, geralmente reduzida a um ritmo primitivo e repetitivo e, quando existe, a uma letra simplória e pornográfica.
Lembrei-me da mulher do supermercado quando, na minha casa de Cabedelo, atravessei a noite do ano novo sob o fogo cruzado de duas baterias sonoropornográficas. Começaram na tarde do 31 e só findaram no começo da noite do dia primeiro. Foram mais de vinte e quatro horas de barbárie.
Exasperado, telefonei para o plantão de polícia para escutar de um sonolento e simpático atendente que o problema não era mais deles. Deu-me o número da Sudema e se despediu com um certo tom de dever cumprido. Disquei para o 88391909 esperando que alguém viesse em socorro do meu meio-ambiente auditivo. Uma voz muito minha conhecida me informou que o número discado estava desligado e não tinha caixa postal.
Desamparado pelo poder público, fui ver o que podia fazer com meu pobre poder pessoal. Me aproximei da casa barulhenta, mas não tive coragem de falar com ninguém. Era um pequeno grupo familiar, com algumas crianças desoladas pelos cantos e um punhado de adultos bêbados de olhares perdidos e passos autômatos. Um quadro mórbido de solidão e sofrimento.
Os problemas causados pelo uso inadequado dos aparelhos de som já se caracterizam como epidêmicos. São, portanto, um caso de saúde pública. Gostaria de fazer alguma coisa mais efetiva para combater esta epidemia. Aguardo sugestões.
Ronaldo Monte
Imagem obtida em:paginaemconstrucao.blogspot.com
4 comentários:
"Eis o resultado cabal do desvario a que chegou o uso irresponsável da parafernália sonora ao alcance de qualquer orçamento."
pra ser sincero, Ronaldo, senti falta desses excessos esse ano.
betomenezes.
"baterias sonoropornográficas"
É também por isso que vivo dizendo que vou embora. Ainda não sei pra onde, mas sei que vou.
Vivi situação semelhante a esta aqui em Manaíra, um dia depois do feriado de Ano Novo. Mas é comum quase todos os finais de semana, ser obrigada a mergulhar nessa tormenta de sons "malignos" que se inicia no shabat, continua pelo sábado inteiro com as bebedeiras e gritarias e não descansa nem no "Dia do Senhor". É um verdadeiro inferno o dia do descanso humano! Uma saída rápida que arrumei foi plugar no computador fones de ouvido e sintonizar na rádio cultura fm de são paulo. Um deleite para a alma e um sossego, em termos, da vizinhança cruel. segue o link:http://www.tvcultura.com.br/radiofm/.
Uma pergunta: posso imprimir seu texto e colocar na caixa do correio dos meus vizinhos insuportáveis? quem sabe, um dia, os filhos da mãe e deles também, leiam.
Muito oportuno seu texto,
abs
Poxa, Ronaldo. Aqui nos Bancários, na noite da procissão de Nossa Senhora da Penha, postei-me à beira da calçada para ver a passagem dos romeiros e me comover com a autenticidade de seus atos de fé. Creia-me, Ronaldo, os tais brutamontes nem sequer respeitaram a procissão. Os sons altos das malas dos carros fizeram contraponto ao som do trio elétrico que conduzia a pobre santa. Ora, por favor. Sejamos irascíveis. Eu pensava com meus botões de plástico: socorro, alguém aí???
Esse texto está bem dentro da realidade. Muito bem, Ronaldo.
Abraço.
Dôra Limeira
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