17 janeiro 2009

Dor


Tenho um nome, é claro, tenho um nome. Mas esse nome não me diz quem sou. É preciso que me toquem para que eu saiba que alguém me chama. Tenho família, sim, mas não é minha. Eles morrem um a um e não sinto que o mundo se esvazia. Também não tenho história. História para mim tem começo, meio e fim, com um fio condutor ligando os dias. Não tenho fio. Tenho pedaços soltos sem nenhum sentido. Tenho profissão, emprego, cartão de crédito e tudo aquilo que dizem ser preciso. Tenho um carro com farol halogênico e um som de tantos mil decibéis. É com isto que me sinto vivo. Quando acendo os faróis e vejo o pessoal dos outros carros se ofuscar. Quando paro no bar com a mala aberta e as pessoas das mesas pedem a conta. Não gosto de ninguém perto de mim. Nem homem, nem mulher. Só quando estou só me sinto um pouco vivo. É quando bebo para me encher por dentro e ligo o som para sentir a pancada do lado de fora. É quando sei que uma coisa como um grande saco plástico contém o meu transbordamento. Uma borda. É tudo que preciso, uma borda. Quando era menino, batia a cabeça na parede para sentir onde eu terminava. Fiz cruzes com gilete pelos braços. Depois enchi o corpo com tatuagens de demônios. Coisa boa foi quando descobri o tamanho da dor que podia causar nos outros. Briguei muito, senti o gosto de quebrar uma cara com um soco inglês. Apanhei muito, também. E foi apanhando que aprendi que existia um dentro e um fora. A dor marcava essa fronteira. Me viciei em dor. E como em todo vício, fui precisando de doses cada vez maiores de doer. Agora, estou pronto para a dose final. Vai ser como um raio, um microssegundo. Mas no mínimo tempo em que sentir o calor da bala, vou me sentir o mais vivo dos vivos.

Ronaldo Monte
Clube do Conto da Parahyba. 17.01.2009

Imagem obtida em
raparigadaslaranjas.blogs.sapo.pt/arquivo/200...

Um comentário:

Betomenezes disse...

belíssima reflexão, ronaldo.