30 março 2008

Contatos imediatos


Não sei quem são eles. Nunca os vi. Mas deixaram duas mensagens no muro da minha casa. Os muros de toda a vizinhança também estão manchados com esses caracteres indecifráveis, que gritam alguma coisa que não consigo entender. Um enigma que me faz uma exigência de decifração. Nossos muros se transformaram em versões pós-modernas da Pedra do Ingá.

Numa dessas minhas andanças vagabundas, passei pela porta de uma casa em que um menino, dos seus dez anos, mostrava aos amigos um caderno de papel pautado em que treinava este tipo estranho de caligrafia. Dizia, com evidente orgulho, que estava entrando na turma de um certo fulano, e que dali a pouco participaria de uma pichação. Isto nos permite um começo de entendimento. Saber fazer aquela caligrafia significa pertencer a uma turma, ter um grupo com que se identificar no esforço de desligamento necessário do círculo estreito da família.
Pelo tipo de grafismo e por certos sinais particulares, cada grupo deixa sua assinatura, numa espécie de disputa pela parede mais alta, pela marquise mais perigosa, pelo local mais desafiador, arriscando-se mesmo à violência e à morte pelos proprietários dos imóveis atacados.
O que essas inscrições neo-rupestres me sugerem é a existência de um imenso e concreto vazio nos indivíduos e nos grupos. Um vazio que se expressa na falta de um sentido lógico nas suas mensagens. Formalmente, existe um certo requinte gótico nos caracteres, deixando claro que não é uma expressão anárquica. Participar dela exige disciplina, como prova o menino com seu caderno.
Talvez nem mesmo os autores dessas mensagens saibam o que elas queiram dizer. Talvez fiquem tão perplexos quanto eu frente à sua obra. Uma coisa, porém, é certa: eles querem fazer contato conosco através dos nossos muros. Para comunicar o quê? Uma ameaça? Um pedido de socorro? Um grito de desespero?

Ilustração obitda em: dobispo.zip.net/images/ttsss.GIF

Um comentário:

Cecília Borges disse...

Eles dialogam com a cidade. Mudam o que vemos, a paisagem surrada de todos os dias.
A gente fica curioso. Pra eles, deve bastar. Eu acho.
Um bj