06 abril 2008

Gênesis


E a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo; e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas. G. 1:2.


Abriu os olhos sem saber onde estava. E ficou sem saber, pois estava envolvido pela escuridão. As costas doíam. Sentiu que estava deitado sobre tábuas. E as tábuas flutuavam. Os ouvidos vieram em seu auxílio e informaram que estava em alto mar. Não quis se mover. Não sabia a extensão das tábuas. Teve medo de cair no abismo das águas.

Não tinha como ver passar o tempo. Não havia tempo, portanto. Em um momento, porém, o tempo se inaugurou. Uma luz diáfana manchou de repente o que até bem pouco era treva. Não é mais de noite. Já é dia. Agora já pode contar o tempo. Isto é bom.
Com a luz, pôde ver as águas em que sua precária jangada flutuava. Olhando para cima, viu os grandes armazéns de água que deixavam o mundo cinzento. Mas sabia que além do cinza, havia a grande expansão dos céus.
Sob a pouca luz, seus olhos custaram a ver uma ponta de terra para onde as ondas empurravam sua jangada. E seu coração se abalou quando viu as ramagens da salsa caroba cobrindo a parte seca da areia da praia. E depois da salsa, o capim. E depois do capim, as árvores e nas árvores os frutos com que mataria sua fome.
Foi sob as árvores que viu se dissiparem as nuvens, mostrando um sol já em declínio. E ainda com o clarão do sol, ele viu uma lua cheia, garantia de que não voltariam as trevas. E com a lua vieram as estrelas que lhe contaram do lugar onde estava e em que estação do ano se vivia.
Com o novo dia vieram os pássaros. Com as águas claras, vieram os peixes. E depois veio o gado pequeno e grande, vieram os bichos que se arrastam no chão e os mais fugidios e ferozes. A tudo ele via, de tudo se servia, mas o seu coração estava triste. Estava só.
E, de tão só e triste, dormiu. Dormiu soluçando. Dormiu com frio. Mas quando acordou, um lado do seu corpo estava quente. Deste lado estava outro corpo, um pouco diferente do seu. Os dois corpos estavam nus. Mas não havia vergonha em seus rostos. O amor criava ali um novo mundo, criando novamente aqueles dois. Macho e fêmea os criou.

Clube do Conto da Parahyba, 5 de abril de 2008
Imagem obtida em www.cacomigo.blogger.com.br/maos%20dadas.jpg

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