13 março 2008

O fim do mundo


Há muito tempo assisto o fim do mundo. Uma certa parte do mundo, aquela em que vivo e vivi, padece de uma lenta e permanente agonia. Já se foram quase todas as casas em que morei. E junto com elas se foram as pessoas que ali moraram comigo. Os bairros de minha infância e juventude sofreram uma torção que os tornaram monstros de si mesmos. Não sei mais onde gastei a sola dos meus sapatos. Não reconheço as ruas que doeram em meus olhos e ouvidos.
Quanto mais vivo, mais despovoado fica o meu mundo. Inúteis muitos dos números de telefones em minha agenda. Ninguém mora mais ali, ninguém mais me espera neste bar, ninguém mais adivinha a hora em que os copos estão sendo trazidos para a mesa do terraço.
Não tenho mais circunstâncias. Eu sou eu e um grande vazio em volta. E o anjo do vazio espera pelo único acontecimento que o torne completo, perfeito, sem falha. O anjo do vazio espera por mim neste vazio. Para decretar definitivamente o fim do mundo. Deste mundo que ainda insisto em manter com minha mísera presença.
Mas ainda haverão de esperar anjo e vazio. Porque ainda tenho memória. Ainda sei como são os homens. E a memória me fornecerá o molde com que forjarei novas presenças. Breve terei um mundo mínimo com o qual recomeçar.
Clube do conto da Parahyba.
13.03.2008

Ilustração obtida em: br.geocities.com

2 comentários:

Camilla disse...

Uma vez li - não lembro onde -de um prisioneiro chinês que já estava há mais de um ano na solitária e passaria o resto da vida na cadeia, o reporter perguntar a ele como resistiria a tal clausura sem ficar louco. E ele responde que quem tem memória tem sempre com o que trabalhar e a mente vai estar sempre criando. Drástica a história. Mas é de suas memórias que sairão suas melhores histórias, enquanto vc continua assistindo ao mundo acabar.
By the way, estou te colocando nos meus favoritos e virei ler-te por aqui, sempre.
Camilla Tebet
www.essepapo.nafoto.net

VaneideDelmiro disse...

Pode sentir, sim, os confetes caindo sobre você, pois é sempre um prazer ler os seus textos, uma rede tecida com fios de profunda e delicada sensibilidade. Que saudade de você. Eu venho sempre aqui, mesmo em silêncio, meu jeito de matar a saudade e relembrar do querido professor e poeta. Os anos insistem, mas a memória, pra o que é belo, não encurta.
E você, quando pousará no meu blog?