Ele não gostava desse nome, mas nunca disse isso à sua mãe. E ela nunca lhe contava direito o motivo de chamá-lo assim. Uma vez dizia que era o nome de um cantor estrangeiro que ela gostava muito, outra vez que era um artista de cinema, mas sempre daquele jeito apressado de quem não está gostando do assunto. E somente para não aumentar a aflição dela, nunca perguntou quem era seu pai.
Quando fez dezoito anos, tomou uma decisão. Ou ela contava toda a verdade, ou ele ia embora de casa. Com tal ameaça, ela não teve outro jeito. Nunca tinha fumado na frente do filho. Mas dessa vez, não dava pra agüentar. Acendeu um cigarro, deu uma puxada profunda, soprou a fumaça em direção ao teto e ainda assim, com os olhos pregados nas telhas, deu dois pigarros curtos e contou.
Lá pelo ano de 1963, eu trabalhava em São Paulo, numa casa de família em Moema. O pessoal da casa era muito bom comigo. O marido era médico, a mulher era socióloga, mas tinha saído do emprego para cuidar das duas filhas. Os dois eram muito inteligentes e gostavam de ouvir música de toda qualidade. Era ele quem mais usava o aparelho de som. Tinha rádio, toca-discos, gravador de rolo, muitas fitas e muitos discos. Eu gostava muito quando ele passava da conta na bebida e botava uns discos antigos para tocar. Vicente Celestino, Carlos Galhardo, Orlando Silva, essa gente. E quando ele bebia um pouco mais, aí é que a coisa ficava boa. Mesmo que a mulher não gostasse, ele se juntava com um amigo da Paraíba para ouvir Jackson do Pandeiro bem alto. Mas quando estava bom, o doutor gostava mesmo era de musica fina.
Não estou enrolando você não. Isso faz parte da história do seu nome. Foi porque os dois gostavam de boa música que eles fizeram o possível e o impossível para arranjar ingresso para a única apresentação de um cantor americano numa televisão de São Paulo. E o nome desse cantor era Rei Charles. Quando eu fiquei sabendo o dia e a hora do show, combinei com o meu namorado para ir lá pra casa. Ele foi. Aí, para saber a hora em que ele devia ir embora, liguei a televisão onde o tal show estava passando. E foi ali, no sofá da sala, as meninas dormindo no primeiro andar, que a gente fez você, ouvindo aquele cego cantar de um jeito que dava vontade de chorar.
Quando eu já não podia mais esconder a barriga, contei tudo à minha patroa e voltei para ter você aqui. Quem botou esse nome em você foi o amigo do meu patrão, num domingo em que eles estavam bebendo. Eu não entendi porque eles ficaram achando graça do seu nome, pois eu gostei muito. Me lembrava um momento muito bom da minha vida.
Reicharlesson sentiu que sua mãe ia chorar. Por isso não perguntou mais nada, mesmo sabendo que aquele era o melhor momento para perguntar quem era seu pai. Levantou da cadeira com cuidado, caminhou devagar para o quarto e se deitou na cama, ouvindo a voz tristonha da mãe que cantava na sala: “Ai quenstop loviniu”. Reichalesson pegou no sono soluçando.
Clube do Conto, 06.02.2008
Quando fez dezoito anos, tomou uma decisão. Ou ela contava toda a verdade, ou ele ia embora de casa. Com tal ameaça, ela não teve outro jeito. Nunca tinha fumado na frente do filho. Mas dessa vez, não dava pra agüentar. Acendeu um cigarro, deu uma puxada profunda, soprou a fumaça em direção ao teto e ainda assim, com os olhos pregados nas telhas, deu dois pigarros curtos e contou.
Lá pelo ano de 1963, eu trabalhava em São Paulo, numa casa de família em Moema. O pessoal da casa era muito bom comigo. O marido era médico, a mulher era socióloga, mas tinha saído do emprego para cuidar das duas filhas. Os dois eram muito inteligentes e gostavam de ouvir música de toda qualidade. Era ele quem mais usava o aparelho de som. Tinha rádio, toca-discos, gravador de rolo, muitas fitas e muitos discos. Eu gostava muito quando ele passava da conta na bebida e botava uns discos antigos para tocar. Vicente Celestino, Carlos Galhardo, Orlando Silva, essa gente. E quando ele bebia um pouco mais, aí é que a coisa ficava boa. Mesmo que a mulher não gostasse, ele se juntava com um amigo da Paraíba para ouvir Jackson do Pandeiro bem alto. Mas quando estava bom, o doutor gostava mesmo era de musica fina.
Não estou enrolando você não. Isso faz parte da história do seu nome. Foi porque os dois gostavam de boa música que eles fizeram o possível e o impossível para arranjar ingresso para a única apresentação de um cantor americano numa televisão de São Paulo. E o nome desse cantor era Rei Charles. Quando eu fiquei sabendo o dia e a hora do show, combinei com o meu namorado para ir lá pra casa. Ele foi. Aí, para saber a hora em que ele devia ir embora, liguei a televisão onde o tal show estava passando. E foi ali, no sofá da sala, as meninas dormindo no primeiro andar, que a gente fez você, ouvindo aquele cego cantar de um jeito que dava vontade de chorar.
Quando eu já não podia mais esconder a barriga, contei tudo à minha patroa e voltei para ter você aqui. Quem botou esse nome em você foi o amigo do meu patrão, num domingo em que eles estavam bebendo. Eu não entendi porque eles ficaram achando graça do seu nome, pois eu gostei muito. Me lembrava um momento muito bom da minha vida.
Reicharlesson sentiu que sua mãe ia chorar. Por isso não perguntou mais nada, mesmo sabendo que aquele era o melhor momento para perguntar quem era seu pai. Levantou da cadeira com cuidado, caminhou devagar para o quarto e se deitou na cama, ouvindo a voz tristonha da mãe que cantava na sala: “Ai quenstop loviniu”. Reichalesson pegou no sono soluçando.
Clube do Conto, 06.02.2008
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