Somos seres saudosos. Arrastamos pelo mundo o desejo do reencontro com a outra metade do andrógino da qual fomos apartados.
Somos seres de falta. Carregamos dentro de nós um vazio que pesa pelo que não carrega. E vasculhamos o mundo ávidos de encontrar quem nos livre do peso preenchendo esse vazio.
Somos seres famintos. Sentimos fome de um outro, não qualquer outro, mas de um que ao mesmo tempo seja nós.
Terrível deus, o dos amantes, que nos larga no mundo cegos e sozinhos, condenados a buscar, na cegueira e na solidão, a parte que nos foi negada desde a origem.
Mas como todos os deuses, o deus dos amantes também é bom. Bom e travesso. Pois ele mesmo nos dá a chave para sairmos do reino da fome, da falta e da saudade. Ele nos deixa gravada na retina, mesmo que nada saibamos dela, a imagem do ser que suprirá a nossa falta. E um dia, em um lugar qualquer, a qualquer hora, alguém irá surgir à nossa frente e se amoldará à imagem que trazemos na retina. E o trabalho do deus ficará completo se o outro nos trouxer também no fundo dos seus olhos.
O encontro dos amantes é feito deste reconhecimento. E o amor se manterá durante o tempo em que o outro se confirmar como aquele que nos foi destinado pela divindade travessa.
Queira esse deus que os amantes que hoje celebramos se reconheçam a cada dia, até que o tempo dissolva suas retinas e, com elas, a imagem do ser amado.
Praia do Cabo Branco, 19 de janeiro de 2008.
3 comentários:
Lindo texto, Ronaldo!
Isso, Rona. Tenho visto esse olhar várias vezes nos rostos de pessoas entre elas. Entre si. É sempre muito iluminado. Quando eu era menina li uma historinha chamada "O Amor dos Amantes sem Fortuna". Não sei o que havia ali. O titulo era esse. E eu, pequena demais. Tua amiga, Simone
Oi! Olha a sincronicidade. Vindo dar uma visitada no teu blogue (tem poema novo no meu) encontrei o tema do amor dos amantes sem fortuna que por sua vez foi o tema da minha sessão de terapia ontem. Viva nós!!
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