Você sabe que eu sou um pesquisador. Um psiquiatra respeitado que não confunde as coisas da ciência com as da imaginação. E por dever de ofício, dou o nome certo aos fenômenos psíquicos. Mais ainda, como todo cientista correto, tenho absoluta certeza de que um dia todos os fenômenos ditos psíquicos serão explicados através de mecanismo puramente orgânicos. Chamar qualquer coisa de psíquica é apenas revelar ignorância quanto a sua origem. Qualquer asno sabe que psiquê significa alma no velho idioma grego. E alma pode ser tudo, menos um conceito científico.
Faço este preâmbulo para você não duvidar de que mantenho meu espírito científico em vigília, para que não ponha em dúvida minha lucidez enquanto relato o fato a seguir.
Não sei se você sabe o que significa a palavra hipnagógico. Em poucas palavras, para um leigo como você basta dizer que se trata de um estado associado ao entorpecimento que precede o sono. Aquele momento em que as coisas da realidade se confundem com as produções do seu cérebro já cansado e confuso. Uma espécie de fronteira entre a vigília e o sono. Por exemplo: você está lendo um livro e, de repente, uma frase inteira vem se imiscuir no texto impresso, desvirtuando o seu sentido.
Pois bem. Estava eu lendo um artigo científico sobre as novas formas de tratamento cirúrgico para a eliminação dos impulsos homossexuais quando, entre as últimas linhas da página, apareceu uma frase esquisita dizendo “você ainda não percebeu que estou no seu quarto”. Tomei um susto e a frase desapareceu. Logo depois, entre as primeiras linhas da página seguinte, leio com clareza: “se você olhar para o espelho vai me ver.” Sem querer, foi sem querer, juro, olhei para o espelho da penteadeira e vi, juro como vi, o rosto mais bonito que jamais vira em toda minha vida. E naquele momento nada mais me interessava a não ser ter para mim não apenas o rosto, mas todo o corpo que lhe sustentava com graça e beleza. O estranho é que, para meu desespero, era o rosto de um homem. Um efebo, imberbe, quase um menino, mas um homem.
Sou um cientista, não esqueça. Nenhuma experiência, por mais estranha que seja, me intimida. Antes, me incita a elucidar os seus enigmas. Foi por isso que mergulhei no espelho, passando para um território de ar espesso e chão movediço por onde me movia com o peso de um escafandrista. Em nenhum momento avistava o vulto que me atraía, mas sabia a direção do lugar onde por certo me esperava. Tinha a certeza disto por um aceno afirmativo que me faziam as pedras. Nuvens escuras corriam em minha direção, quase à altura da cabeça, dando-me conta do passar do tempo. Um tempo de angústia pela busca infrutífera do objeto do meu desejo. Guiado pelo vôo das aranhas, cheguei às margens de um lago de águas límpidas, mas que não deixavam ver o seu leito. Não tinha mais a fazer do que mergulhar e descer ao fundo das águas que por fim me ejetaram ofegante para fora do espelho da penteadeira do meu quarto.
Não esqueça que eu sou um cientista. Por isso sei muito bem o que significa o termo hipnopômpico. Para seu governo, é aquele estado semiconsciente que antecede o despertar. Foi nesse estado que eu ainda vi, com grande tristeza, o rosto belo e terno me acenar um adeus do outro lado do espelho.
Faço este preâmbulo para você não duvidar de que mantenho meu espírito científico em vigília, para que não ponha em dúvida minha lucidez enquanto relato o fato a seguir.
Não sei se você sabe o que significa a palavra hipnagógico. Em poucas palavras, para um leigo como você basta dizer que se trata de um estado associado ao entorpecimento que precede o sono. Aquele momento em que as coisas da realidade se confundem com as produções do seu cérebro já cansado e confuso. Uma espécie de fronteira entre a vigília e o sono. Por exemplo: você está lendo um livro e, de repente, uma frase inteira vem se imiscuir no texto impresso, desvirtuando o seu sentido.
Pois bem. Estava eu lendo um artigo científico sobre as novas formas de tratamento cirúrgico para a eliminação dos impulsos homossexuais quando, entre as últimas linhas da página, apareceu uma frase esquisita dizendo “você ainda não percebeu que estou no seu quarto”. Tomei um susto e a frase desapareceu. Logo depois, entre as primeiras linhas da página seguinte, leio com clareza: “se você olhar para o espelho vai me ver.” Sem querer, foi sem querer, juro, olhei para o espelho da penteadeira e vi, juro como vi, o rosto mais bonito que jamais vira em toda minha vida. E naquele momento nada mais me interessava a não ser ter para mim não apenas o rosto, mas todo o corpo que lhe sustentava com graça e beleza. O estranho é que, para meu desespero, era o rosto de um homem. Um efebo, imberbe, quase um menino, mas um homem.
Sou um cientista, não esqueça. Nenhuma experiência, por mais estranha que seja, me intimida. Antes, me incita a elucidar os seus enigmas. Foi por isso que mergulhei no espelho, passando para um território de ar espesso e chão movediço por onde me movia com o peso de um escafandrista. Em nenhum momento avistava o vulto que me atraía, mas sabia a direção do lugar onde por certo me esperava. Tinha a certeza disto por um aceno afirmativo que me faziam as pedras. Nuvens escuras corriam em minha direção, quase à altura da cabeça, dando-me conta do passar do tempo. Um tempo de angústia pela busca infrutífera do objeto do meu desejo. Guiado pelo vôo das aranhas, cheguei às margens de um lago de águas límpidas, mas que não deixavam ver o seu leito. Não tinha mais a fazer do que mergulhar e descer ao fundo das águas que por fim me ejetaram ofegante para fora do espelho da penteadeira do meu quarto.
Não esqueça que eu sou um cientista. Por isso sei muito bem o que significa o termo hipnopômpico. Para seu governo, é aquele estado semiconsciente que antecede o despertar. Foi nesse estado que eu ainda vi, com grande tristeza, o rosto belo e terno me acenar um adeus do outro lado do espelho.
Imagem obtida em www.cexantequera.com
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