16 agosto 2007

Polifonia



Diga o que lhe vem à cabeça. Não censure nada. E se você achar que é tolo ou vergonhoso o que lhe ocorrer, por isso mesmo é que você deve dizê-lo. Era isto o que Freud pedia aos seus pacientes. É a regra fundamental para que uma análise seja bem sucedida.
De minha parte, considero que esta regra deve estar no fundamento de toda convivência humana. Todos temos o direito de dizer tolices, bobagens, besteiras, idiotices, cretinices, blasfêmias, preconceitos, vulgaridades, além, é claro, de coisas sensatas e inteligentes.
Confesso que fico irritado quando ouço na rua o carrinho de som de um camelô de CDs piratas tocando um forró ou um funk pornográficos. Pior ainda quando o mau gosto vem amplificado pelo som de algum carrão. Mas logo me convenço que eles têm todo o direito de ouvir a música que bem entenderem, desde que respeitem os limites de decibéis permitidos por lei.
Claro que também me irrita o discurso intolerante e mal informado que ouço nas filas e feiras. Pior ainda quando vem amplificado pelos portadores de títulos e comendas. Mas logo me convenço que eles têm o direito de falar o que bem entenderem, desde que me permitam também expressar minha opinião.
A morte é uniforme. Só os regimes ditatoriais e as instituições fundamentalistas rejeitam a multiplicidade de pensamentos e a polifonia dos discursos, excluindo do seu convívio, muitas vezes com a morte, quem ousar ser minimamente diferente.
A vida é polimorfa. Cada ser vivo é único em sua maneira de estar no mundo. No caso do ser humano, a diferença é a condição essencial para a sua constituição como sujeito. Para Roland Barthes, num mundo em que só houvesse diferenças não haveria lugar para a exclusão. Aceitar-me como diferente e aceitar a diferença no meu semelhante. Falar e deixar falar dessas diferenças. Esta é a regra fundamental.



Ilustração: Gente, de Pedro Charters

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