22 junho 2007

Os neutros




Fui comprar xerém pra fazer angu. Num mercadinho no meio da feira, bisbilhotei uma conversa entre dois rapazes que me atendiam. Criticavam um terceiro por ser “aquela coisa” e ao mesmo tempo pertencer a uma seita neopentecostal. Não podia. Só se fizesse como um outro que se arrependeu do seu pecado e agora era neutro. Belo eufemismo. Foi preciso comprar xerém para aprender que os enrustidos agora são neutros. Como se alguém pudesse ser indiferente à sua sexualidade.

A conversa entre os rapazes do mercadinho não era casual. Ela apenas refletia um movimento local contra o homossexualismo, com out-doors, passeatas e matéria paga em jornais alertando contra o perigo da aprovação no Congresso de uma lei que criminaliza as expressões de preconceito contra as opções sexuais. Como não poderia deixar de ser, o Arcebispo enviou uma carta de apoio à iniciativa dos concorrentes.

Para engrossar o caldo dos preconceitos, um Secretário de Estado, no meio de um seminário contra a violência, reclama que uma mulher, agora, “por qualquer tapinha, vai querer ser sustentada pelo Estado”. Este é o argumento da autoridade contra a manutenção de casas de acolhimento para mulheres vítimas de violência. Aproveitou ainda a oportunidade para declarar que a “homossexualidade é antinatural, fruto de famílias desestruturadas”.

Na secular parceria entre Igreja e Estado, são sempre os membros mais frágeis da sociedade que acabam nas fogueiras, nas masmorras ou na execração. Quando viu seus livros queimados pela turba nazista, Freud comentou com ironia que a humanidade havia progredido muito. Antes, seria ele a arder na fogueira. Tentando ser neutro, não podia ou não queria antever o destino que mais tarde seria dado a muitos de sua etnia.

O rosnar que se avoluma pode muito bem ser o anúncio de ações mais efetivas de discriminação contra os homossexuais. O que exige de cada um de nós uma clara tomada de posição. Aqui, como em tudo na vida, não há lugar para a neutralidade.

Foto obtida em www.overmundo.com.br - autor não identificado

Um comentário:

Anônimo disse...

Rona,

O seu texto é belo, forte e oportuno. Você sempre faz assim, a menos que seja um texto com André.
Outra coisa: essa sua feira, se existe mesmo, é uma grande musa. Quero saber o endereço, mas acho que você não fornece porque ela não existe, não é mesmo?

Um abraço,

Barreto