25 junho 2007

Perdas e esquecimentos


O poeta Lúcio Lins perdia astrolábios. O poeta Antônio Mariano esquece guardas-chuva. Tristes, os poetas, fadados a viver entre perdas e esquecimentos. Por isso o poeta necessita dos sonhos para resgatar o que perde e esquece. Para João Cabral, O sonho é uma obra nascida do sono, feita para nosso uso. Uma coisa que pode ser evocada, explorada através da memória. “Um poema que nos comoverá todas as vezes que sobre nós mesmos exercermos um esforço de reconstituição”.
Território estranho, este, o do sono. Mais estranho ainda por se localizar dentro de quem dorme. E, dormindo, contemplamos o chão do sono, a verdadeira pátria do estrangeiro, desse outro estranho a quem assistimos desde o nosso posto de contemplação. Daí, para Cabral, a nostalgia do mar alto, das águas profundas que trazemos de volta ao acordar. Que estranho este que somos nós.
Num dos seus raros momentos de modéstia, Freud disse: “seja qual for o caminho que eu escolher, um poeta já passou por ele antes de mim”. E se aproxima dos poetas quando diz que toda noite, o homem despe-se dos envoltórios que cobrem sua pele, despoja-se dos complementos que substituem as deficiências dos seus órgãos e renuncia à maior parte das aquisições da sua alma para assim, despido do que lhe é supérfluo, se aproximar do ponto de partida de sua existência: o ventre materno.
O homem que dorme, portanto, volta-se para a noite primordial, silenciosa e calma, da qual foi definitivamente exilado. Todas as noites, o homem pode ainda matar as saudades desse território perdido. Mas vendo-o apenas de longe, olhando para o seu chão sem tocá-lo. É desse chão que ele vê brotar as imagens dos seus sonhos, recados enigmáticos da sua pátria originária para a qual sabe que nunca voltará.
Desta forma, todos nós somos poetas. Fadados a viver entre perdas e esquecimentos. Resta-nos apenas ficar atentos aos sonhos e poemas que a noite trama dentro de nós.

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