25 janeiro 2015

11 - Almeidinha - o herói de paletó

Um folhetim burocrático

11 - A vingança de Almeidinha


                   E foi assim, de mão estendida, mendigando um paletó a cada homem que passava, ouvindo de uns que fosse curar a bebedeira e de outros que procurasse um hospício, que voltei para casa, como um sonâmbulo.
      Abri a porta com cuidado, mas logo vi que a casa estava vazia. Tudo escuro, que a noite já tinha caído. Sem acender as luzes, corri para o banheiro e tomei um banho demorado, como se quisesse lavar toda a vergonha que tinha passado nesse dia. Senti um grande conforto quando vesti o pijama que tinha deixado no banheiro desde a manhã, antes de sair para telefonar para a repartição.
                   Foi ainda como um sonâmbulo que fui até o quarto, peguei um lençol de solteiro e joguei sobre o sofá. Mas não seria eu que dormiria ali nessa noite. Voltei para o quarto, fechei a porta com a chave e me deitei na cama calmamente, esperando o sono que não demorou a chegar.
                   Almeida, abra esta porta, Almeida. Abra logo, senão eu boto ela abaixo. Você não está doido de me deixar aqui do lado de fora. Abra e vá dormir no sofá, que sempre foi o seu lugar. Abra esta porta, Almeida. Por favor. Você sabe que eu não sei dormir fora da minha cama. Pelo amor de Deus, Almeida. Você sabe que eu tenho medo de dormir fora do quarto. Na sala não, Almeidinha. Sozinha na sala, não. Eu vou passar a noite sem dormir.
                   Pode até ser pecado, mas me deu prazer ouvir o desespero da minha esposa do outro lado da porta. Teve um momento que me deu pena, tive vontade de abrir a porta, mas não ia conseguir ficar deitado na mesma cama com ela, nem estava disposto a ir dormir no sofá. Pela primeira vez na vida eu estava no controle de uma situação e isto me deu uma sensação muito boa de poder, parecida com a que o Dr. Pacheco tem quando entra na repartição.
                   Não sei se foi o sono que me abateu ou se foi a voz dela que ia ficando cada vez mais baixa, cada vez mais chorosa, cada vez mais longe. Almeidinha, Almeidinha, parece que escutei ela soluçar. Almeidinha, Almeidinha, já era outra voz que me chamava do outro lado do sono, e com a voz vinha um perfume que eu finalmente encontrava depois de tanto perambular pelas ruas do bairro. Mas é só disso que me lembro, pois dormi pesado e acordei sem me lembrar de nada com que houvesse sonhado.
                   Dei um pulo da cama assim que senti o primeiro clarão da manhã entrar no quarto. Tinha que chegar cedo na repartição para botar em dia o trabalho que deixei de fazer por ter faltado ao expediente. Com que cara, meu Deus, com que cara eu ia enfrentar os colegas, que desculpa eu ia dar pra eles, sem mentir, que mentir é pecado. E como eu ia enfrentar o olhar de reprovação do Dr. Pacheco? Era certo que ele ia me chamar na sua sala e me fazer uma repreensão. Capaz de não aceitar minhas razões e mandar descontar o dia no meu ordenado. E o paletó, onde estava meu paletó? Ainda estaria pendurado no varal?
                   Coisa estranha. Minha mulher não estava no sofá. Logo ela, que gosta de dormir até tarde. E o silêncio da casa delatava: ela não estava mais ali.  E aquilo jogado no espaldar do sofá, não era meu paletó? Claro que era. Mais estranho ainda. Como ele tinha ido parar ali?

                   Meu paletó estava bastante amarrotado, mas pelo menos estava enxuto. Como foi bom sentir novamente a sua proteção. Abri a porta e me joguei no mundo sabendo que muita coisa ruim poderia me acontecer nesse dia. Pouco importava. Estava de novo com meu paletó. E ele me dava coragem para enfrentar o que desse e viesse. 

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