21 janeiro 2013

A voz e o tempo



Quando cheguei e vi a quantidade de jovens espremidos na areia da praia pensei que, depois da apresentação da Renata Arruda, todo mundo iria embora. Restaria apenas um mar de cabelos brancos mal conseguindo balançar suas obesidades à voz nostálgica de um setentão decrépito. Estava redondamente enganado. Quando a banda competente atacou os primeiros acordes da música “Bola de meia, bola de gude”, toda aquela gente, dos adolescentes aos velhotes, cantou ansiosa para que chegasse a voz que daria o verdadeiro tom de todo o show. Todos carregávamos um menino moleque no coração e essa entidade coletiva se manifestava ali, atendendo pelo nome de Bituca, no corpo e na voz de Milton Nascimento.

         Não sei quanto tempo durou o espetáculo. Foi o tempo necessário para  sentir passar as lembrança mais significativas da minha vida. Ali desfilava boa parte da minha trilha sonora. Cada música me lembrava o lugar, as pessoas e as circunstâncias que me rodeavam quando aquele som me surpreendeu.

         O show de Milton Nascimento em João Pessoa serviu para mostrar que nem tudo está perdido em termos de recepção estética musical. Pelo esforço infernal das emissoras de rádio e televisão em nos servir o pior do seu lixo, era de se esperar um retumbante fracasso de um artista refinado, avesso a concessões. E ali estava a prova de que vale a pena se manter íntegro, distante das imposições do famoso “mercado”. Todo mundo que estava lá sabia de cor as canções de Milton Nascimento, das mais antigas às mais recentes.

         Meu coração aos pulos, os olhos afogados em lágrimas, as lembranças afagando o corpo todo, eu me sentia um privilegiado em poder viver aquela dose concentrada de emoção. Como se aquela voz possante e límpida trouxesse todo um tempo no seu bojo. E eu vi plasmados em minha frente os versos de Chico Buarque, em que “o velho cantor subindo ao palco, apenas abre a voz, e o tempo canta”. 

         Ali estava o tempo, o cantor e a voz que nos reúne a todos, mais uma vez, no eterno Clube da Esquina.
  

5 comentários:

Raquel disse...

O que é bom nunca se acaba. Fico muito feliz quando vejo os jovens de hj curtindo as músicas de minha geração.

Luciana Silveira disse...

Foi mesmo muito bom, e tb achei lindoo que a maioria permaneceu ouvindo e curtindo o espetáculo. Adorei bjs

Angela disse...

Maravilha! Milton é a voz mais bela que já ouvi até hoje. Vem das entranhas assim como seu comportamento que a idade e a doença não poderão destruir.

Anônimo disse...

Muito legal esse texto! Valeu mesmo!

Brunno M. disse...

Momento histórico para João Pessoa!